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São Teodoro Studita, mosaico do século XI,
mosteiro de Nea Moni, em Chios, Grécia. |
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Roberto de Mattei
(1948 - ) professor de História italiano, especializado nas ideias religiosas e políticas no pós-Concilio Vaticano II.
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Com o nome de
“Sínodo do adultério”, entrou para a História da
Igreja uma assembleia de bispos que no século IX quis aprovar a prática do
segundo casamento após o repúdio da esposa legítima.
São Teodoro
Studita (759-826) foi um dos que mais
vigorosamente se lhe opuseram, sendo por isso perseguido, preso e exilado três
vezes.
Tudo começou em janeiro de 795, quando o imperador romano do
Oriente (
basileus) Constantino VI
(771-797) encerrou sua esposa Maria de Armenia em um convento e iniciou uma
união ilícita com Teodota, dama de honra de sua mãe Irene.
Poucos meses depois, o imperador fez proclamar Teodota
“augusta”, mas não tendo conseguido convencer o patriarca Tarasius (730-806) a
celebrar o novo casamento, encontrou finalmente um ministro complacente no hegúmeno
José, abade do mosteiro de Kathara, na ilha de Itaca, que abençoou oficialmente
a união adúltera.
Nascido em Constantinopla no ano de 759, São Teodoro era então
monge no mosteiro de Sakkudion, na Bitinia, cujo abade era seu tio Platão,
também venerado como santo.
O injusto divórcio produziu – informa ele numa carta – uma
profunda comoção em todo o povo cristão:
concussus
est mundus (... Ep II, n 181, PG, 99, coll 1559-1560CD), o que o levou a protestar
energicamente com São Platão em nome da indissolubilidade do vínculo.
O imperador deve ser considerado adúltero – escreveu – e,
portanto, o hegúmeno José deve ser considerado gravemente culposo, por ter
abençoado adúlteros e os ter admitido à Eucaristia.
“Coroando o adultério” o hegúmeno José se opôs ao ensinamento de
Cristo e violou a Lei de Deus, asseverou (Ep. I, 32, PG 99, coll. 1015 /
1061C).
Para Teodoro, também o patriarca Tarasius deveria ser
condenado, pois embora não tivesse endossado o novo casamento, havia se
mostrado tolerante, evitando excomungar o imperador e punir o padre José.
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Constantino VI e sua mãe Irene. Moeda de ouro, anos 780-790. |
Essa atitude era típica de um setor da Igreja do Oriente, que
proclamava a indissolubilidade do matrimônio, mas na prática mostrava uma certa
submissão em relação ao poder imperial, semeando confusão nas pessoas e
provocando o protesto dos católicos mais fervorosos.
Baseando-se nos escritos de São Basílio, Teodoro alegou o direito
dos súditos de denunciar os erros do próprio superior (
Epist. I, n. 5, PG, 99, coll. 923-924, 925-926D), e os
monges de Sakkudion romperam a comunhão com o
patriarca, por sua cumplicidade com o divórcio do imperador.
Estourou assim a chamada “questão moicheiana” (de
moicheia = adultério), que colocou
Teodoro em conflito não só com o governo imperial, mas com os próprios
patriarcas de Constantinopla.
Este é um episódio pouco conhecido, sobre o qual o Prof. Dante
Gemmiti levantou o véu alguns anos atrás, numa cuidadosa reconstrução histórica
baseada em fontes gregas e latinas (
Teodoro
Studite e la questioni moicheiana, LER, Marigliano 1993), confirmando como
no primeiro milênio a disciplina eclesiástica da Igreja do Oriente ainda
respeitava o princípio da indissolubilidade do casamento.
Em setembro de 796, Platão e Teodoro foram presos com certo
número de monges do Sakkudion, internados e depois exilados a Tessalônica, aonde
chegaram em 25 de março 797.
Em Constantinopla, no entanto, o povo julgava Constantino um
pecador que continuava a dar escândalo público e, alentado pelo exemplo de
Platão e Teodoro, aumentava sua oposição a cada dia.
O exílio durou pouco porque, na sequência de uma conspiração
de palácio, o jovem Constantino foi cegado pela mãe, que assumiu sozinha o
governo do império. Irene chamou de volta os exilados, que mudaram para o
mosteiro urbano de Studios, juntamente com a maioria da comunidade de monges de
Sakkudion.
Teodoro e Platão se reconciliaram com o patriarca Tarasio que,
após a chegada de Irene ao poder, havia condenado publicamente Constantino e o hegúmeno
José pelo divórcio imperial.
O reinado de Irene foi breve. Em 31 de outubro de 802, um de
seus ministros, Nicéforo, depois de uma revolta palaciana, proclamou-se
imperador. Pouco depois, quando morreu Tarasio, o novo
basileus fez eleger Patriarca de Constantinopla um alto oficial
imperial também chamado Nicéforo (758-828).
Em um sínodo convocado e presidido por ele, em meados do ano 806,
Nicéforo reintegrou em seu ofício o hegúmeno José, deposto por Tarasio.
Teodoro, que se tornara chefe da comunidade monástica de
Studios após Platão se retirar para a vida de recluso, protestou energicamente
contra a reabilitação do hegúmeno José, e quando este último recomeçou a
exercer o ministério sacerdotal, rompeu a comunhão com o novo patriarca.
A reação não tardou. Studios foi ocupado militarmente, Platão,
Teodoro e seu irmão José, Arcebispo de Tessalônica, foram presos, condenados e
exilados.
Em 808 o imperador convocou outro sínodo, que se reuniu em
janeiro de 809. Foi essa assembléia sinodal que, em uma carta de 809 ao monge
Arsênio, Teodoro definiu como
“moechosynodus”,
ou seja, o “Sínodo do adultério” (Ep. I, . 38, PG 99, coll. 1041-1042c).
O Sínodo dos Bispos reconheceu a legitimidade do segundo
casamento de Constantino, confirmou a reabilitação do hegúmeno José e
anatematizou Teodoro, Platão e seu irmão José, que foi deposto de seu cargo de
Arcebispo de Tessalônica.
Para justificar o divórcio do imperador, o Sínodo utilizava o
princípio da “economia dos santos” (tolerância na práxis). Mas para Teodoro
nenhum motivo podia justificar a transgressão de uma lei divina.
Baseado nos ensinamentos de São Basílio, de São Gregório Nazianzeno
e de São João Crisóstomo, ele declarou privada de fundamento bíblico a
disciplina da “economia dos santos”, segundo a qual em algumas circunstâncias
se podia fazer o mal em nome da tolerância para um mal menor – como neste caso
do casamento adúltero do imperador.
Poucos anos depois, na guerra contra os búlgaros (25 de Julho
811), morreu o imperador Nicéforo, subindo ao trono outro funcionário imperial,
Miguel I.
O novo
basileus chamou
Teodoro de volta do exílio, tornando-o um de seus mais escutados conselheiros.
Mas a paz durou pouco.
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São Teodoro Studita, ícone escola bizantina. |
No verão de 813, os búlgaros infligiram uma gravíssima derrota
a Miguel I em Adrianópolis, e o exército proclamou imperador o chefe dos
anatólios, Leão V, conhecido como “o Armênio” (775-820).
Quando Leão depôs o patriarca Nicéforo e condenou o culto às
imagens, Teodoro assumiu a liderança da resistência contra a iconoclastia.
Teodoro de fato se destacou na História da Igreja não somente
como adversário do “Sínodo do adultério”, mas também como um dos grandes
defensores das imagens sagradas durante a segunda fase da crise iconoclasta.
Assim, no Domingo de Ramos de 815, foi possível assistir a uma
procissão dos mil monges de Studios dentro de seu mosteiro, mas bem visíveis,
portando os ícones sagrados e cantando solenes aclamações em sua honra.
A procissão, contudo, provocou a reação da polícia. Entre 815
e 821, Teodoro foi açoitado, preso e exilado em vários lugares da Ásia Menor.
Finalmente pôde voltar a Constantinopla, mas não ao seu
próprio mosteiro. Então ele se estabeleceu com seus monges no outro lado do
Bósforo, em Prinkipo, onde morreu em 11 de novembro 826.
O
“non licet” (Mt
14, 3-11) que São João Batista opôs ao tetrarca Herodes pelo seu adultério,
soou várias vezes na História da Igreja.
São Teodoro Studita, um simples religioso que ousou desafiar o
poder imperial e as hierarquias eclesiásticas da época, pode ser considerado um
dos patronos celestes daqueles que, ainda hoje, em face das ameaças de mudança
da prática católica sobre o casamento, têm a coragem de repetir um inflexível
non licet.
(Fonte: Corrispondenza Romana, 26 de agosto 2015)
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