Busto do Apóstolo Santiago, catedral de Compostela |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
As proporções que a devoção a Santiago de Compostela tomou em toda a Espanha medieval somente pode ser entendidas no contexto da invasão muçulmana.
Tudo começou pelo ano de 813, quanto um eremita de nome Pelayo acompanhado por alguns pastores, deparou-se com uma estranha luminosidade.
Ela se espalhava sobre um pequeno bosque nas proximidades de um morro do interior da Galícia chamado Libredón.
A paisagem, em certos momentos, ficava tão clara que parecia um campo estrelado (Campus Stellae = Compostela).
Teodomiro, o bispo local, informado do estranho fenômeno, soube que a luz focara no chão uma antiga arca de mármore.
Ela conteria os restos humanos atribuídos ao Apostolo Santiago (isto é, São Iago, São Jacó, o filho de Zebedeu, irmão de João Evangelista).
Altar mor, catedral de Compostela |
Mas tendo voltado à Palestina foi decapitado pelo rei Herodes Agripa, no ano 44.
O corpo dele acomodado num sepulcro de mármore, que foi subido a bordo de um barco no porto de Jaffa e lançado ao mar.
Sem tripulação, sem leme nem nada, movida apenas pelo vento, a nau teria aportado nas costas da Galícia, região da Espanha que os romanos chamavam então de Finis Mundi.
A arca foi colhida na praia e foi enterrada num “compostum”, quer dizer um cemitério romano-galego daquele tempo.
Durante os séculos seguintes, ninguém tomou conhecimento dela, até que começaram a ocorrer aquelas iluminações esplêndidas que o bispo Teodomiro consagrou.
Santiago Matamouros
O sensacional e miraculoso achado, que logo atraiu o rei astur-leonês Afonso, o casto (789-842) e sua corte para lá, fez com que lá fixassem a pedra da primeira igreja dedicada ao Apóstolo.
Não demorou para a boa nova, comunicada por Afonso ao próprio Carlos Magno, circulasse como um raio pelo Império do Ocidente, abrindo caminho para que se dessem os milagres.
As peregrinações não mais cessaram, e num curto espaço de tempo, o santuário de Compostela adquiriu a mesma importância para os cristãos das romarias dirigidas à Roma.
Na batalha de Clavijo, em 834, o rei Ramiro I, de Aragão, no momento mais difícil do combate, viu-se ajudado por um desconhecido ginete montado num cavalo branco que dava espadagadas na mourama.
Sentiu que tinha a seu lado o Apóstolo, desde então transformado em Santiago Matamouros, aparição fundamental na vitória contra o emir Abderraban II:
“Santiago da Espanha/ matou os meus mouros/ desbaratou minha companhia/ quebrou minha senha/ Santiago glorioso fez os mouros morrerem: Maomé o Preguiçoso, tardou, não quis vir”.Outras dessas repentinas ações milagrosas do santo ocorreram na longa batalha movida pelos reis espanhóis contra o Califado de Córdoba ou contra os ditos reinos dos Taifas, que mais tarde o sucederam.
Santiago Matamouros, Burgos, Espanha |
Não só saqueou e destruiu o santuário com a primeira basílica, como levou consigo o sino e as portas dela, transportadas até Córdoba no sul, nos ombros de cristãos escravizados.
São Fernando III, rei de Castela, quando recuperou Sevilha, obrigou os mouros a fazerem o caminho inverso carregando os mesmos sinos e portas.
O santo tornou-se o maior ícone dos cristãos na sua oposição desesperada à presença dos adeptos de Maomé na Espanha.
Seu sepulcro se tornou fator de atração permanente para os peregrinos vindos de todos os lugares da Europa, percorrendo os Caminhos de Santiago.
Para lhes dar proteção surgiram duas ordens militares: a de Calatrava (1158) e a de Santiago (1173).
O êxito da campanha da Reconquista, que culminou bem mais tarde com a ocupação do Reino Nasarí de Granada em 1492, foi largamente atribuído pelos cristãos aos feitos impressionantes, assombrosos, de Santiago Matamouros.
Santiago Matamouros, catedral de Compostela |
“... ordenamos e fizemos voto que se há de guardar por todas as partes da Espanha, para que Deus conceda livrar-nos dos sarracenos pela intercessão do Apóstolo Santiago, o pagamento perpetuo todo ano, a maneira de primícias sobre cada jeira de terra uma medida da melhor colheita, o mesmo de vinho, para a manutenção dos padres que residem na igreja do bem aventurado Santiago e para os ministros da mesma igreja...”
Referências bibliográficas
Braunschvig, Marcel - Notre Littérature étudiée dans les textes, Paris, Librairie Armand Colin, 1948
Brissaud, Alain - Islão e Cristandade, Lisboa, Pluma Editora, 1993
Dozy, R.-P. - Historia de los musulmanes de España, - 2 v., Barcelona, Editorial Iberia, 1954.
Köhler, Erich - L´aventure chevaleresque: ideál et réalité dans les romans courtois, Paris, Éditions Gallimard, 1956
Nájera, Rúben E. - La invención de Rolán - in CABALLERIAS Y MORERIAS:
Oliveira Martins- História da Civilização Ibérica, Lisboa, Guimarães & c. Editores, 1972
GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS ORAÇÕES CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Parabéns pelo blog. Nos momentos de relaxamento no escritório sempre leio o seu blog a fim de me distrair um pouco e entender cada vez mais sobre a gloriosa época medieval qua tanto gosto.
ResponderExcluirConcordo em gênero, número e grau com Renato Ewerton . É o que faço (estou fazendo agora). Bom divertimento !
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