terça-feira, 25 de julho de 2023

Carlos Magno Imperador do Sacro Império

São Leão III coroa Carlos Magno e restaura nele o Sacro Império Romano Alemão
São Leão III coroa Carlos Magno e restaura nele o Sacro Império Romano Alemão
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








continuação do post anterior: O fomento da cultura, a renascença carolíngia



De 775 a 800 transcorreu um quarto de século. Durante esse período, praticamente não houve ano em que Carlos Magno não empreendesse uma campanha militar, seja nas marcas (territórios de divisa) espanholas, no sul da Gália ou em outras fronteiras do reino franco.

Relatá-las, ou mesmo referi-las, extravasa os limites deste artigo. Embora já em 799 as marcas espanholas estivessem asseguradas e, no Mediterrâneo, as Ilhas Baleares, Córsega e Sardenha fossem protegidas por tropas carolíngias contra os ataques mouriscos, os saxões continuavam em ebulição.

No início de 800, Carlos encontrava-se em campanha, esperando ajuda de seu filho Luís, o Piedoso, para lhes infligir uma derrota definitiva, quando recebeu notícias de Roma.

O Papa Leão III, que em 795 sucedera a Adriano I, tinha sido gravemente agredido em Roma durante uma procissão no dia 25 de abril de 799, escapando por pouco de ser assassinado.

Preso por sediciosos, o Pontífice conseguiu escapar e procurou socorro junto a Carlos, com quem se encontrou em Paderborn, em agosto do mesmo ano. Leão III permaneceu até o início do outono na corte de Carlos, retornando a Roma com um grande séquito de bispos e soldados.

Dominada a sedição na Cidade Eterna, os chefes do atentado foram presos e condenados à morte. A execução da pena foi adiada até a chegada do rei dos Francos.

Carlos chegou em fins de dezembro do ano seguinte. No dia 1o de dezembro de 800 julgou na Basílica de São Pedro os culpados do atentado contra o Papa, cuja condenação à morte foi confirmada.

Estatueta equestre de Carlos Magno no Museu do Louvre. Fundo: catedral de Metz.
Estatueta equestre de Carlos Magno no Museu do Louvre.
Fundo: catedral de Metz.
Leão III, de própria iniciativa, prestou um juramento de que eram falsas as acusações de que era objeto e pediu que lhes fosse comutada a pena de morte em exílio.

No dia 25 de dezembro, na Basílica de São Pedro, estando Carlos rezando junto ao altar após a Missa solene, Leão III lhe coloca sobre a cabeça a coroa imperial, sob a aclamação dos romanos presentes: “Vida e vitória a Carlos, piedosíssimo Augusto, grande e pacífico monarca coroado por Deus!”.

Eginhardo assevera que Carlos não desejava essa honra e que teria deixado de ir à Basílica de São Pedro, caso soubesse o que iria acontecer.

J. B. Weiss, contudo, é da opinião de que a manifestação de desagrado do Imperador foi mais bem um ato político, uma vez que a dignidade imperial desagradava a muitos de seus súditos, receosos de mais guerras e eventuais problemas diplomáticos com a Corte de Constantinopla.

Seja como for, o gesto de São Leão III coroando Carlos Magno Imperador na noite de Natal de 800, instaurando assim um império de 1000 anos — o Sacro Império só foi abolido por Napoleão Bonaparte em 1804 — teve uma importância incomensurável para a Cristandade.

O peso, a influência, o prestígio do Império deslocavam-se do Oriente, de Constantinopla, para o Ocidente.

É a Cristandade ocidental que vai empreender a epopeia da cristianização dos povos bárbaros, das cruzadas contra os infiéis, do descobrimento do Novo Mundo, das missões na África e na Ásia — tudo isso a partir do impulso que a restauração do Império Romano proporcionará à civilização cristã ocidental.

* * *

Carlos Magno faleceu no dia 28 de janeiro de 814, tendo recebido o Viático no dia anterior. Ele foi o homem certo no lugar certo, no momento propício. E houve um Papa, São Leão III, que profeticamente soube discernir as vias da Providência.


(Autor: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015



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terça-feira, 11 de julho de 2023

O fomento da cultura, a renascença carolíngia

Carlos Magno: busto relicário. Fundo: cúpula da catedral de Aachen
Carlos Magno: busto relicário. Fundo: cúpula da catedral de Aachen
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
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continuação do post anterior: Grandes guerras de Carlos Magno

As guerras não impediram Carlos de fomentar a reforma moral no Reino, tanto no âmbito temporal quanto eclesiástico, de impulsionar a cultura e as artes, bem como de estabelecer na estrutura de governo um eficiente sistema de administração e controle.

Para levar a cabo as reformas que desejava implantar, cercou-se em Aix-la-Chapelle (Aachen) — onde praticamente estabeleceu sua capital, vivendo alí a maior parte dos últimos 20 anos de sua vida — dos mais eminentes sábios da época.

Eles provinham de toda a Europa, tais como Alcuíno (inglês), Paulo Diácono (lombardo) e São Rabano Mauro, nascido em Mainz e futuro abade de Fulda, cognominado posteriormente de “Praeceptor Germaniae”.

Alcuíno, que Carlos conheceu em Parma, foi talvez um dos mais importantes “scholars” da corte carolíngia. Nascido por volta de 730, formara-se na escola diocesana de York, da qual se tornou um dos mestres. Uma de suas obras mais notáveis foi a correção da Vulgata de São Jerônimo, adotada pelo Concilio de Trento.

Seu papel enquanto conselheiro pode ser bem notado no texto emblemático da renascença carolíngia, a Capitular intitulada “Admonitio generalis”, de 789.

Nela se encontra o famoso artigo ordenando o estabelecimento de escolas em todas as dioceses e em todos os mosteiros para formar jovens com vocação clerical, que fossem suficientemente instruídos para bem rezar, ensinar e dirigir o povo cristão rumo à salvação.

Nessa linha se insere o empenho de Carlos na correção dos livros litúrgicos e na uniformização da liturgia.

No incremento da cultura, o Imperador incentivou a cópia e difusão das principais obras da Antiguidade. Batalhões de copistas trabalhavam sem cessar em sua corte.

Reforma caligráfica carolíngia: alternando maiúsculas, minúsculas e espaços a leitura ficava facilitada enormemente
Reforma caligráfica carolíngia: alternando maiúsculas,
minúsculas e espaços a leitura ficava facilitada enormemente
Não se deve esquecer que uma folha dupla de pergaminho exigia a pele de uma ovelha. As cópias produzidas nos ateliês de copistas impulsionados por Carlos representaram um investimento de capital imenso, pois custaram rebanhos de milhares de ovelhas.

Uma inovação de grande importância nas cópias de obras clássicas foi a introdução das letras minúsculas, que facilitaram enormemente a leitura, bem como a invenção do sinal de interrogação.

A reforma eclesiástica e administração do Império


Numa época em que se verificava um tremendo relaxamento da disciplina eclesiástica e se multiplicavam os escândalos ocasionados por padres e monges, Carlos Magno deitou especial atenção na reforma dos costumes, porque concebia como parte essencial de seu múnus real a salvação eterna de seus súditos.

Considerada a imensidão de seu Reino, árdua era a tarefa de bem administrá-lo. Era preciso transmitir ordens, verificar o seu cumprimento, retificar o que não estivesse correto, receber informações, mandar instruções, controlar o exercício da justiça e tomar um sem-número de outras providencias.

Para tal, Carlos instituiu os famosos “missi dominici”, que eram constituídos por dois enviados, um clérigo e um leigo, a todas as partes do Império em que era necessário estabelecer um controle, tomar medidas, desenvolver um plano, em suma verificar se as decisões reais, codificadas nas famosas Capitulares, estavam sendo bem aplicadas.

Essa instituição dos “missi dominici” — de tendência nitidamente centralista, cumpre reconhecê-lo — demonstra o desejo de Carlos de, controlando o poder de seus condes, assegurar a unidade e a justiça na administração do Estado, numa época atribulada por restos de barbárie e de tendência para o caos. 



continua no próximo post: Carlos Magno Imperador do Sacro Império



(Autor: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015

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