Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A promessa feita por Clóvis a Nosso Senhor Jesus Cristo nos campos de Toul — “Se me concederes a vitória, crerei em ti e me farei batizar” — precisava ser cumprida.
Clóvis estava disso consciente, e logo após dispersar sua tropa chamou um monge que vivia naquela região, a quem chamavam Vaast, e o encarregou de lhe ensinar a doutrina, que tinha já por verdadeira.
O santo homem atendeu ao pedido do soberano, confirmando seus ensinamentos com um retumbante milagre: a cura de um cego durante o percurso do séquito real de Clóvis até a cidade de Reims.
Chegando Clóvis a Reims, sua esposa Santa Clotilde providenciou que o grande São Remígio concluísse a catequese. Ouvindo a narração das atrocidades cometidas contra nosso Redentor em sua Paixão, Clóvis exclamou, num transporte de santa ira: “Ah, se eu estivesse lá com meus francos!”.
Tal alma não necessitava de maiores provas, e o bispo limitou-se a ensinar-lhe as verdades fundamentais da Fé.
Restavam ainda obstáculos não pequenos a vencer. O povo franco venerava em Clóvis não somente o filho de seus reis, mas também o descendente de suas divindades.
Quebrando tais vínculos “sagrados”, não deveria o monarca temer uma diminuição de sua autoridade? Quanto a isso, ele estava seguro de que sua fé não diminuiria sua ascendência sobre o povo.
Outro ponto deteve ainda sua reflexão. Ele tinha junto de si uma guarda pessoal, os antrustions, ligados à sua pessoa por juramento e obrigados ao devotamento mais absoluto. Entre eles e o rei tudo era comum, e como consequência seu Deus deveria ser também o deles.
Aceitariam abjurar os falsos deuses que adoravam?
O Espírito Santo conduzia os acontecimentos, e os antrustions, instados a se pronunciar, proclamaram em alta voz que aceitavam abandonar seus deuses mortais e reconhecer por Senhor ao Deus eterno pregado por São Remígio.
Fugindo à regra ordinária, que estabelecia fosse o batismo ministrado na Páscoa, fixou-se a Festa de Natal do ano 496 como o dia da cerimônia.
Não convinha prolongar por mais tempo o catecumenato do soberano e de seu séquito.
Foi escolhida para a solenidade a velha catedral de Reims, sede de São Remígio.
Pelos convites enviados a todos os bispos dos territórios vizinhos, a notícia difundiu-se por toda a Gália, enchendo de alegria os corações cristãos, e de temor os reinos que jaziam na heresia ariana.
A esplendorosa cerimônia na catedral de Reims
O batismo de Clóvis é um episódio de suma importância para a história da civilização cristã, e revela de maneira impressionante o papel da Igreja na construção da Idade Média a partir de matéria-prima tão primitiva como os bárbaros da época. Foi descrito em seus pormenores por São Gregório de Tours, primeiro biógrafo de Clóvis:
“Chegando ao limiar do batistério, onde os bispos reunidos para a circunstância tinham se postado para se juntar ao cortejo, foi o rei que, tomando por primeiro a palavra, pediu a São Remígio que lhe conferisse o batismo. Respondeu-lhe o prelado: ‘Inclina humildemente tua fronte, Sicambro. Adora o que queimaste e queima o que adoraste’.[...]
“Em seguida, tendo entrado na piscina batismal, recebeu a tripla imersão sacramental em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
“Ao sair do batistério, administrou-se-lhe ainda o sacramento da confirmação, segundo o uso vigente nos batismos de adultos. Aos personagens principescos aplicou-se o mesmo procedimento”.(1)
Clóvis, primeiro rei cristão da Europa |
Nessa ocasião, teve lugar um prodígio: surgiu uma pomba trazendo no bico uma ampola com óleo, com o qual Clóvis foi sagrado.
Glória para a Igreja, um marco histórico
Nascia assim a nação francesa para a vida da graça, tornando-se filha primogênita da verdadeira Igreja.
E esta, após longos períodos de prova, via-se novamente em condições de fazer ouvir sua voz.
Com efeito, após as invasões bárbaras e a ruína do Império Romano do Ocidente, dois inimigos seus dividiam entre si a influência e o poder: de um lado, os imperadores de Bizâncio (de religião cambiante), de outro os monarcas arianos.
A fé católica parecia estar destinada a ser perpetuamente uma religião de vencidos, uma doutrina de escravos. Dir-se-ia que estava condenada a desaparecer, para entregar o mundo a esses dois funestos agentes de destruição.
A notícia do batismo de Clóvis ressoou por toda a Europa. Por modestas que aparentemente tenham sido suas proporções, teve todas as características de uma contra-revolução histórica.
Foi como se a mão da Providência tivesse saído de entre as nuvens para mudar bruscamente a marcha da História, afastando-a da direção em que ia e preparando-lhe novos caminhos de glória.
Papel dos homens providenciais
É verdade bem conhecida que Deus atua na História, em geral, por meio de causas segundas.
Nos episódios da conversão do rei franco, cabe destacar a atuação de dois personagens, entre tantos outros que com seus esforços e orações prepararam o ambiente para que ela acontecesse.
O primeiro personagem, e o que mais se salienta, é São Remígio, bispo de Reims,
Desde a coroação de Clóvis como rei da pequena tribo dos francos sálios, vemo-lo despendendo seus esforços apostólicos para atrair ao rebanho de Cristo aquela ovelha nascida fora de seu redil.
São Remígio, basílica Saint-Rémi, Reims |
Não chegara, entretanto, a tornar-se cristão, embaído que estava o povo franco pelos mitos pagãos.
Muitos anos depois, pôde o prelado colher os frutos de seu zelo, derramando sobre a fronte do rei dos francos, com suas próprias mãos, a água purificadora do batismo.
O outro personagem é também sucessor dos Apóstolos: o bispo Santo Avito, da cidade de Vienne.(3)
Vivendo em meio aos burgúndios, povo que aderira à heresia ariana, o santo teve papel importantíssimo nas tratativas do casamento de Santa Clotilde — princesa burgúndia — com Clóvis.
Graças a seus conselhos, Clotilde pôde vencer seus fundados receios e abraçar a missão que a Providência divina lhe designava.
Com a notícia da conversão e do batismo de Clóvis, Santo Avito viu seus esforços coroados. Numa visão profética, divisou ao longe toda a grandeza da civilização medieval que daí surgiria.
O árduo trabalho até então realizado, os santos apóstolos não o viam senão como o começo de uma longa gesta. Essa mesma gesta que a História consagrou sob o título de Gesta Dei per Francos.
(Fonte: Guilherme Félix de Sousa Martins, Catolicismo setembro de 2010.
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As informações contidas nestas magníficas linhas; a maneira como tudo é apresentado, sem dúvida,que redimensiona o estudo da história.Parabéns!
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