terça-feira, 30 de maio de 2023

Carlos Magno e o ideal de Cristandade

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







“Carlos é chamado com razão de Magno: merece este nome enquanto general e conquistador, ordenador e legislador do imenso reino, enquanto inspirador da vida intelectual no Ocidente. Sua vida é uma luta contínua contra a brutalidade e a barbárie”

No dia 28 de janeiro de 2014 completaram-se 1.200 anos da morte de Carlos Magno. Em diversas cidades pertencentes outrora ao seu império, como Aquisgrão (Aachen em alemão; Aix-la-Chapelle em francês), Zurique, Frankfurt-am-Main, houve exposições sobre ele, visitadas por imenso público.

A importância dada ao jubileu carolíngio é mais do que explicável: poucas personalidades na história da Cristandade tiveram uma influência tão duradoura, irradiaram um prestígio tão grande e deixaram uma recordação tão arrebatadora quanto este monarca franco, elevado pelo Papa São Leão III na noite de Natal do ano de 800 à dignidade de Imperador Romano do Ocidente.

Os ideais de Carlos Magno

“Com ajuda de Deus, nossa missão é externamente defender a Santa Igreja de Cristo pelas armas e por todas as partes das incursões dos pagãos e das devastações dos infiéis, e internamente, fortalecê-la pelo reconhecimento da verdadeira Fé.

“A vossa missão, Santo Padre, consiste, à maneira de Moisés, em erguer os braços em oração a Deus, e destarte ajudar nossos exércitos, de modo que por vossa intercessão e sob a guia e proteção de Deus, o povo cristão alcance sempre a vitória sobre os inimigos de seu santo nome e que o nome de Jesus Cristo seja glorificado no mundo inteiro.”

Carlos Magno coroado imperador pelo Papa
Carlos Magno coroado imperador pelo Papa
Nessas palavras de Carlos Magno, dirigidas em carta a São Leão III, estão expressos seus ideais e boa parte da dupla obra que empreendeu: de um lado, defender a Igreja de seus inimigos externos; de outro, fortalecer a Fé.

Para cumprir a primeira parte desse programa, dedicou ele os 42 anos de seu reinado, tanto combatendo no Leste o paganismo de saxões e ávaros, quanto refreando no Oeste o avanço muçulmano.

É essa sua face heroica e guerreira que inspirará nos séculos futuros as canções de gesta, como a famosa Chanson de Roland.

Na segunda parte, que poderia ser qualificada de positiva, revela-se seu gênio de estadista e de incansável administrador e restaurador, empenhado na tríplice reforma religiosa, moral e cultural de seus súditos, visando à formação de uma civilização cristã segundo a concepção de Santo Agostinho em uma de suas obras mais famosas, a De civitate Dei:

“A gloriosíssima Cidade de Deus, seja aqui nesta Terra na sucessão dos tempos, onde ‘vivendo da Fé’ ela peregrina entre os ímpios, seja na estabilidade da eterna morada que presentemente espera com paciência ‘até que a justiça se transforme em julgamento’ e que obterá um dia o esplendor de uma vitória suprema por uma paz perfeita, defendê-la contra os que preferem seus deuses Àquele que a criou, eis o objetivo da obra que começo e com a qual cumpro a promessa que te fiz, meu caro discípulo Marcelino. Tarefa imensa e árdua, mas Deus é nossa ajuda”. (De Civitate Dei contra paganos, Liber I).

Eginhardo, formado na corte carolíngia e autor da Vita Caroli Magni, única biografia escrita por quem conheceu a fundo e na intimidade o Imperador, conta que este fazia ler com frequência trechos dessa obra do grande Padre da Igreja durante suas refeições, realizadas geralmente na companhia de seus familiares mais próximos.

A Cidade de Deus — uma reflexão teológico-histórica sobre o mundo pagão em ruínas após a tomada de Roma por Alarico em 410 e as vicissitudes do cristianismo nascente — delineia os contornos de uma sociedade perfeita que só pode surgir no seio do cristianismo.

Conhecedor profundo dessa inspirada obra, Carlos Magno não desejou senão realizar o ideal do príncipe cristão — tal como Santo Agostinho o imaginava — que emprega todo o seu poder “ad Dei cultum maxime dilatandum”.


O biógrafo de Carlos Magno

Eginhard escrevendo a vida de Carlos Magno, Grandes Chroniques de France
Eginhard escrevendo a vida de Carlos Magno.
Grandes Chroniques de France
Eginhardo— em alemão Einhard — (770-840), o biógrafo de Carlos Magno, nasceu na região do vale do rio Meno.

Pertencia a uma família da aristocracia franca e recebeu sua primeira formação no convento fundado por São Bonifácio em Fulda.

Por seus dotes intelectuais foi enviado em 792 à corte, a fim de terminar seus estudos na Escola do Palácio e integrar o grupo de jovens que seria a futura elite do reino de Carlos.

Teve por mestre Alcuíno, o maior sábio da época. De baixa estatura, apaixonado pela literatura greco-latina, mas também pela matemática e arquitetura, Eginhardo ganhou a confiança de seu soberano, que o enviou a Roma em 806 para receber a aprovação do Papa São Leão III da “divisio regnorum” — documento que regulamentava a sucessão no Império.

Sinal da estima geral de que desfrutava, foi ele que, no ano de 813, pediu a Carlos Magno em nome dos Grandes, que associasse seu filho Luís (o Piedoso) ao poder.

Em 829 ele se retira da corte e se estabelece em Mühlheim, propriedade que lhe concedeu o Imperador, denominada mais tarde Seligenstadt.

Lá ele começa a redigir, segundo o modelo de Suetônio na Vida dos doze Césares, a Vita Carolis Magni, na qual se encontra o testemunho vivo de tudo quanto ele viu e admirou em Carlos.

Uma preciosa biografia — mesmo porque única — para um conhecimento autêntico do Imperador.

No fim da vida, Eginhardo levou a vida de um monge. Em Steinbach, na proximidade de Michelstadt, pode-se visitar a basílica que ele construiu. Um belo testemunho da arquitetura carolíngia.

(Fonte: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015

continua no próximo post: Os antepassados de Carlos Magno



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terça-feira, 16 de maio de 2023

São Guilherme, bispo de Bourges, e a sensibilidade das almas à Igreja

São Guilherme, bispo de Bourges, convertia os hereges mais duros
São Guilherme, bispo de Bourges, convertia os hereges mais duros
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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São Guilherme, bispo de Bourges encontrou em uma legislação tremenda contra os hereges.

Entre outras coisas, os bens dos hereges deveriam ser confiscados. Eram penas tremendas quando alguém estava declarado em crime de heresia.

Ele não revogou nenhuma lei, não desprestigiou nenhum costume antigo, mas começou a chamar os hereges, sobretudo os piores e mais obstinados, para conversar com eles.

Tal foi sua capacidade de persuasão, e tal foi a força de contágio do que ele dizia, que os hereges mais endurecidos, sem nenhuma exceção, se comoviam e mudavam de vida.

Então, não era necessário aplicar daquelas penas, porque a Igreja é mãe. Quando ela vê que um herege é tocável pelas palavras de afeto e misericórdia, Ela não vai com a chibata.

São Guilherme, vitral da catedral de Bourges
São Guilherme, vitral da catedral de Bourges
Este bispo agia com muita sagacidade. Os hereges que se emendavam, era dispensados.

Mas a pena de confisco de bens ficava colocada numa suspensão.

Eles não tinham seus bens confiscados, mas, se voltassem para a heresia, seus bens seriam confiscados.

De maneira que eles ficavam presos ao bem pela doce força da persuasão e pela força dura da ameaça de sanções econômicas.

Compreende-se toda a razão da doçura desse bispo.

São Guilherme ameaçou pegar em armas  para defender os direitos da Igreja
São Guilherme ameaçou pegar em armas
para defender os direitos da Igreja
O Rei Felipe Augusto e certos nobres das redondezas de Bourges, vendo a doçura extrema de São Guilherme, resolveram atacar sua igreja e confiscar-lhe alguns dos seus direitos, certos de que o bispo não contestaria.

O bispo se levantou como uma fera! Declarou que pegaria até em armas para defender os direitos da Igreja.

Felipe Augusto e os nobres recuaram... Eles ficaram compreendendo de que força era essa mansidão.

Não se pode dizer que na Idade Média as almas fossem menos infensas ao mal ou que elas fossem naturalmente postas no bem.

O homem, concebido no pecado original, tem uma grande propensão para o mal, e, naturalmente, também é susceptível de querer o bem quando é fiel à graça de Deus.

Mas as almas eram capazes de serem arrastadas, de serem modificadas.

Portal de São Guilherme na catedral de Bourges.  O ódio revolucionário decapitou a imagem de um santo tão equilibrado.  No fato se apalpa a diferença do espírito medieval com a dureza moderna.
Portal de São Guilherme na catedral de Bourges.
O ódio revolucionário decapitou a imagem de um santo tão equilibrado.
No fato se apalpa a diferença do espírito medieval com a dureza moderna.
A extrema severidade: única atitude apostólica em relação ao coração endurecido

E hoje as almas são graníticas. Não se movem. São de uma rigidez cadavérica.

Isto explica nossa tese de que chegamos a um fim de que só uma extrema severidade pode alguma coisa em relação ao coração endurecido.

Alguém aqui me levantou um problema: por que o homem contemporâneo não se comove?

É porque não tem quem o comova, ou por que ele realmente é incomovível?

O que acontece é que aos olhos de Deus, povo e comovedores constitui um todo só.

Nós vemos que, certas vezes, todo um povo se perde porque um príncipe é ruim.

Outras vezes é Deus que dá ao povo um príncipe ruim, porque o povo é perdido.





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terça-feira, 2 de maio de 2023

O bispo D. Jeronimo pede ao Cid a honra de dar os primeiros golpes aos muçulmanos

Luis Dufaur
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O bispo Dom Jeronimo
A Santa Missa lhes canta,
E uma vez a Missa dita,
Esta alocução lhes dava:
“A quem na luta morre
Pelejando face a face,
Lhe perdôo os pecados
E Deus lhe colherá a alma.

E a vós, meu Cid dom Rodrigo,
Que cedo cingistes espada,
Pela Missa que cantei
Para vós esta manhã,
Peço-lhe me concedeis,
Em troca a seguinte graça:
Que as primeiras feridas
Sejam feitas por minha espada”.
Disse-lhe o Campeador:
“Desde já lhe são outorgadas”.

(Fonte: Cantares de Mio Cid – Estrofe 94)







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