quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Balduíno IV, modelo perfeito de monarca francês, espelho do próprio Cristo

Sagração real de Balduíno IV
Sagração real de Balduíno IV
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Continuação do post anterior: “Possamos venerar Balduíno IV nos altares!”: Missa de réquiem em Paris 830 anos depois.



“O segundo inimigo contra o qual Balduíno teve que lutar foi a sua Corte e, nela, especialmente sua parentela.

“Se ele ao menos pudesse apoiar-se em fiéis excepcionais como o arcebispo e o cronista Guilherme de Tiro, o marechal Onfroy de Toron ou o conde Raimundo de Trípoli!

“Mas todos cobiçavam sua sucessão sem medir o peso que a mesma implicava, faziam complô e acabaram apressando o fim do monarca.

“Não foram necessários dois anos para que as intrigas levassem a regência à ruína e o reino caísse sob os golpes dos turcos.

“Nisso consistiu a funesta Batalha de Hattin. À ambição de alguns se acrescentou a vaidade de outros, enquanto na Europa, de onde a ajuda poderia vir, a indolência atiçada por rivalidades dinásticas paralisava príncipes e reis.

“Ao longo de seu reinado, Balduíno sempre foi decepcionado por aqueles que deveriam ter sido seus maiores sustentáculos.

“Com paciência, abnegação e muita dificuldade, ele se esforçou para reconciliá-los e mobilizá-los ao serviço do bem comum.

“Pois ele lutava a cada momento contra um terceiro inimigo, ainda mais íntimo: a lepra, que apodrecia seu corpo, apresentada na Bíblia como símbolo do pecado que desfigura a alma.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

“Possamos venerar Balduíno IV nos altares!” Missa de réquiem em Paris, 830 anos depois

Na igreja de St-Eugene Ste-Cecile, foi celebrada uma missa de réquiem  pelo repouso eterno do rei de Jerusalém Balduíno IV
Na igreja de St-Eugene Ste-Cecile, Paris: missa de réquiem
pelo repouso eterno do rei de Jerusalém Balduíno IV
Luis Dufaur
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A fama luminosa que envolve a figura do rei de Jerusalém Balduíno IV vara os séculos. E vem crescendo enquanto o Islã tenta sucessivos e criminosos golpes contra os restos da Civilização Cristã.

Testemunho eloquente disso foi o sermão pronunciado no sábado, 14 de março de 2015, na missa de réquiem pelo heroico rei leproso, por ocasião do 830º aniversário de sua morte.

A missa foi celebrada na igreja de Saint-Eugène-Sainte-Cécile, situada no coração de Paris, tendo o vigário, Pe. Éric Iborra, evocado a memória de Beduíno IV com estas palavras, que dispensam comentários:

“Faz o que deves, aconteça o que acontecer”. No dia 16 de março de 1185, há 830 anos, expirava Balduíno IV de Jerusalém. Ele tinha 24 anos.

“Humildemente, insensivelmente, abandonava seu corpo devorado pela doença na Jerusalém terrestre, a cuja defesa se consagrara inteiramente, para ir morar na Jerusalém celeste, residência prometida pelas Escrituras, à qual aspirava com todo o seu ser, e ali conhecer a beatitude num corpo glorioso.

“Ele, o débil, o doente, havia conseguido deter o avanço de Saladino, o maior, o mais poderoso, o mais determinado dos inimigos que a Terra Santa jamais conheceu.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Santo Eduardo o Confessor, Rei da Inglaterra – 2

Santo Eduardo III o Confessor
Santo Eduardo III o Confessor
Luis Dufaur
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Continuação do post anterior: Santo Eduardo o Confessor, Rei da Inglaterra – 1



Tempos “melhores e mais felizes da Inglaterra”

“Bem merece [Santo Eduardo] que se considere seu reinado de 24 anos como um dos melhores e mais felizes da Inglaterra.

“Os próprios dinamarqueses, donos [do território] por tanto tempo, foram submetidos para sempre no interior e contidos no exterior pela postura do valente príncipe”.4

Pois os antigos vencedores, estabelecidos na Inglaterra havia 40 anos, pretendiam ter um “direito de conquista”, mas temiam, amavam e respeitavam o novo soberano. Aos poucos foram totalmente integrados na população do país.

Enquanto a Divina Providência zelava pelo reino, uma ameaça vinha da Noruega. O rei Sweyn quis reconquistar o trono inglês que seu pai, Canuto, antes ocupara.

Santo Eduardo colocou o país em estado de alerta, e esperou o pior. Mas um ataque do rei da Dinamarca à Noruega fez abortar o premeditado plano de invasão da Inglaterra.

Mais tarde Suenon, rei da Dinamarca, preparou-se também para reconquistar a Inglaterra.

Dotado do dom da profecia, Santo Eduardo estava um dia assistindo à Missa quando entrou em êxtase, derramando copiosas lágrimas. Terminado o Santo Sacrifício, seus nobres lhe perguntaram o que sucedera.

O santo revelou então que vira Suenon morrendo afogado no mar, no momento de embarcar para a Inglaterra. O que livrou o país de nova invasão.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Santo Eduardo o Confessor, Rei da Inglaterra – 1

Santo Eduardo III o Confessor St Peter and St Paul, Eye, Suffolk
Santo Eduardo III o Confessor. St Peter and St Paul, Eye, Suffolk
Luis Dufaur
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Nascido por volta do ano 1000, Santo Eduardo era filho do rei Etelredo II, que governou a Inglaterra dos anos 978 a 1016, e de sua segunda esposa, Ema, filha do Duque da Normandia.

Em 1013, Sweyn, rei viking da Dinamarca, invadiu a Inglaterra e apoderou-se do trono, repetindo o feito de um antecessor seu. Etelredo fugiu então com sua família para a Normandia.

Porém, com a morte de Sweyn no ano seguinte, voltou e reconquistou o poder. Por pouco tempo, pois faleceu em 1016.

Subiu então ao trono Edmundo, meio-irmão de Eduardo, que continuou a luta contra os invasores.

Mas foi assassinado, apoderando-se do trono o dinamarquês Canuto. Este pediu Ema em casamento, estipulando que os filhos deste matrimônio seriam seus herdeiros, em detrimento de Santo Eduardo e de seu irmão, que haviam ficado na Normandia.

Canuto, cognominado “o Grande”, reinou na Inglaterra durante 19 anos. A figura desse grande conquistador não deixa de chamar a atenção:

“intrigante, ambicioso e violento, Canuto no entanto expiou suas antigas crueldades por um cristianismo não sem valor.

Chegou como invasor e cruel destruidor e, por uma mudança de temperamento tão notável quanto longa em seus efeitos, permaneceu para governar em justiça e paz um povo que ele desposou completamente”.1

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Balduíno IV: o rei-herói entre decadentes

Renaud de Chatillon, turbulento e belicoso vassalo
Luis Dufaur
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continuação do post anterior: Balduíno IV: o santo rei leproso que espantou a Saladino



Nesse momento reapareceu, libertado dos cárceres muçulmanos, o antigo príncipe de Antioquia, Renaud de Châtillon.

Logo recomeçou suas aventuras, assaltando uma importante caravana de peregrinos com destino a Meca.

Esse ato rompia a trégua assinada por Balduíno IV e Saladino e ofendia as convicções religiosas dos muçulmanos, a cujos olhos o atentado afigurava-se monstruoso.

Intimado pelo rei a devolver os prisioneiros e o produto da pilhagem, ele recusou-se com arrogância, tornando assim evidente a incapacidade do doente de se fazer obedecer.

Imediatamente Saladino acorreu do Egito e invadiu a Galiléia, incendiando e devastando as colheitas, capturando rebanhos e semeando pânico por toda parte.

Renaud de Châtillon suplicou ao rei que salvasse seus feudos. Balduíno concedeu, vencendo Saladino em julho de 1182.

Em agosto, o infatigável maometano tentou tomar Beyrouth por uma ação combinada por terra e mar.

Uma vez mais Balduíno afastou o perigo. Impediu Saladino de se apoderar de Alepo e conduziu uma expedição até os subúrbios de Damasco.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Balduíno IV: o santo rei leproso que espantou a Saladino

Balduíno IV na batalha de Montgisard, detalhe.
Charles Philippe Larivière (1798-1876)
Luis Dufaur
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continuação do post anterior: Balduíno IV: o rei cruzado que atingido pela lepra venceu Saladino e o Islã




Um novo cruzado — Filipe de Alsácia, conde de Flandres e parente próximo de Balduíno IV — acabava de desembarcar. O pequeno rei Balduíno esperava muito desse apoio.

Estava claro que era necessário ferir Saladino no coração de seu poderio — isto é, no Egito — se se quisesse abalar a unidade muçulmana. Era isso, precisamente, o que propunha o basileus, imperador de Bizâncio.

O Egito, uma vez conquistado em parte, Damasco não poderia deixar de subtrair-se ao poder cambaleante de Saladino.

Mas Filipe de Alsácia opinava de outra forma. Ninguém poderia impedi-lo de ir guerrear na Síria do Norte, e, o que era mais grave, de levar consigo parte do exército franco.

Saladino respondeu invadindo a Síria do Sul. Balduíno reuniu o que lhe restava da tropa, desguarneceu audaciosamente Jerusalém e partiu para Ascalon, onde Saladino investia. Este, logo que foi informado, subestimou seu adversário. Ele acreditava que a queda de Ascalon era uma questão de dias, e marchou sobre Jerusalém com o grosso de seu exército.

Balduíno compreendeu suas intenções. Saiu de Ascalon, fez um longo périplo e caiu repentinamente sobre as colunas de Saladino, em Montgisard.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Balduíno IV: o rei leproso de Jerusalém que venceu o Islã

Vitral do rei Balduino na Basílica de Saint-Denis, França
Luis Dufaur
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Balduíno IV (1161 – 1185) foi o último rei de Jerusalém com espírito de Cruzada. Guy de Lusignan, seu sucessor, foi um interesseiro, sob cujo reinado a Civilização Cristã perdeu a posse da Cidade Santa.

Na história das Cruzadas, nada é mais emocionante que o reinado doloroso de Balduíno IV.

Nada, entre os vários exemplos famosos, pode atestar melhor o império de um espírito de ferro sobre uma carne débil.

Foi um rei sublime, que os historiadores tratam só de passagem, o que faz perguntar por que até aqui nenhum escritor se inspirou nele, exceto talvez o velho poeta alemão Wolfram von Eschenbach.

Nem o romance nem o teatro o evocam, entretanto sua breve existência cheia de acontecimentos coloridos forma uma apaixonante e dilacerante tragédia.

O destino sorria à sua infância. Robusto e belo, ele era dotado da inteligência aguçada de sua raça angevina (de Anjou).

Tinha sido dado a ele por preceptor Guilherme de Tiro, que se tomou de “uma grande preocupação e dedicação, como é conveniente a um filho de rei”. O pequeno Balduíno tinha muito boa memória, conhecia suficientemente as letras, retinha muitas histórias e as contava com prazer.

Um dia em que brincava de batalha com os filhos dos barões de Jerusalém, descobriu-se que tinha os membros insensíveis:

“Os outros meninos gritavam quando eram feridos, porém Balduíno não se queixava. Este fato se repetiu em muitas ocasiões, a tal ponto que o arquidiácono Guilherme alarmou-se.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Alfredo o Grande, o admirável Carlos Magno inglês

Alfredo o Grande, estátua de bronze em Winchester
Alfredo o Grande, estátua de bronze em Winchester
Luis Dufaur
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“Henrique com seis mulheres se casou. Uma morreu, uma viveu, de duas se divorciou e de duas a cabeça cortou”, cantava-se na Inglaterra.

Na história da Inglaterra há uma involuntária simetria entre dois polos.

De um lado, Henrique VIII (1491-1547), o sinistro fundador do anglicanismo.

Do outro, do lado bom, um cruzado, um santo: Alfredo, o Grande (849-899).

Em 2015, uma pesquisa da Associação dos Escritores Históricos daquele país considerou Henrique VIII o pior monarca de sua história.

Isto não passou despercebido das esquerdas, que lhe prestaram eloquente “homenagem” póstuma em desagravo pelo ato de vandalismo perpetrado contra uma estátua dele na noite de Ano Novo de 2007, quando perdeu o braço direito e seu machado.

Após ambos serem substituídos, a estátua voltou a ser vandalizada, perdendo novamente seu machado.

No outro polo está alguém muito diverso: Alfred, o fundador da Inglaterra e seu protótipo, muito menos conhecido do que merece.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Clóvis, Rei dos francos, instrumento da Providência Divina

Clovis I, representado no "Reccueil des rois de France". Du Tillet,1550
Clóvis I, representado no "Recueil des rois de France". Du Tillet,1550
Luis Dufaur
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Dentre as hordas de bárbaros que investiram contra as possessões romanas do Ocidente na Europa central, destacaram-se os francos, povo guerreiro e valente.

Ora unindo-se às tropas imperiais, ora combatendo-as, tornaram-se tão poderosos, que a filha de um de seus reis, Eudóxia, veio a casar-se com o Imperador Arcádio.

Com a queda do Império Romano em 476, os francos dominaram o norte da Gália; os godos, o sul; os burguinhões, as duas margens do Ródano, restando ainda, entre os rios Sena e Loire, remanescentes do Império sob o governo de Siágrio.

Um dos grandes chefes francos foi Childerico I (458-481), que se casou com Basina da Turíngia.

Tiveram um filho são e robusto a quem deram o nome de Clóvis. Estava ele destinado a mudar o curso da história da Gália (França) e, por conseguinte, da Europa.

Clóvis subiu ao trono franco ainda adolescente, e com uma maturidade precoce fez suas primeiras conquistas. "Sagacidade na deliberação e ousadia na execução distinguiram sobretudo este soberano"1.

Conforme já tinha feito seu pai, Clóvis, apesar de pagão, manteve cordiais relações com os bispos da Gália. Quando subiu ao trono, recebeu amistosa carta de São Remígio, arcebispo de Reims.

Cheio de vitalidade no ardor de sua juventude, para satisfazer o ânimo belicoso de seus súditos Clóvis partiu para a conquista de novas terras, começando por derrotar Siágrio.

Este se refugiou junto a Alarico, rei dos visigodos. Clóvis intimou Alarico a entregar o fugitivo e o executou, apoderando-se de seu reino. Estabeleceu então Soissons como sua capital.

É dessa época o fato legendário que aparece em todas as biografias do grande guerreiro. Após a batalha, os francos haviam tomado como despojo de guerra, entre outras preciosidades da igreja de São Remígio, um belíssimo vaso.

Batismo de Clovis por São Remígio, Reims
Batismo de Clóvis por São Remígio. Estátuas em Reims, junto da igreja de São Remígio
O arcebispo pediu a Clóvis, que muito o respeitava, que o devolvesse. O rei prometeu fazê-lo. E foi a Soissons, onde seriam divididos os despojos.

Pediu a seus guerreiros que, além da parte que lhe cabia como rei, lhe dessem também o vaso, para devolvê-lo a São Remígio.

Todos concordaram, menos um que, de mau humor, disse ao rei: "Tu não terás senão o que te couber por direito". E, como bárbaro que era, atingiu o vaso com sua acha.

O rei, embora indignado, não disse nada. Um ano depois, seus soldados apresentaram-se armados diante dele; quando chegou em frente do soldado insolente, Clóvis derrubou-lhe a acha das mãos e desferiu-lhe tremendo golpe na cabeça, dizendo: "Foi assim que trataste o vaso de Soissons"

Como bom estadista, o rei franco usou de muita compreensão para com os povos conquistados, tratando do mesmo modo os galo-romanos e os francos, escolhendo entre ambos seus conselheiros, respeitando as leis locais, não tomando suas propriedades.

Tomou para si e seus guerreiros somente as que pertenciam ao Imperador ou ao Estado. Com isso, foi bem recebido por essas populações e firmou seu poderio sobre suas conquistas.

Clóvis recebeu do Imperador de Constantinopla o título de patrício, de cônsul e de ilustris, o que mais confirmou sua autoridade aos olhos dos povos conquistados.

O conhecido historiador belga Godofredo Kurth sintetizou de modo feliz a missão providencial e histórica do rei franco:

O batismo de Clóvis. Maestro de Saint Gilles
O batismo de Clóvis. Maestro de Saint Gilles
"Como estadista, conseguiu o que não alcançou nem o gênio de Teodorico, o Grande, nem o de nenhum dos reis bárbaros seus contemporâneos: sobre as ruínas do Império Romano, construiu um poderoso sistema, cuja influência dominou a civilização europeia durante muitos séculos"2.

Batismo de Clóvis: consequências transcendentais

"O batismo de Clóvis teve consequências incalculáveis para os destino da Igreja e da França. Clóvis, católico, foi considerado desde então como o chefe do catolicismo. Santo Avito, bispo de Vienne e primaz das igrejas da Borgonha, apressou-se em felicitá-lo: `Vossa adesão à fé é nossa vitória; todas as vezes que vós combaterdes, seremos nós que triunfaremos'"3.

O reino de Clóvis tornou-se, na época, o primeiro Estado católico em meio a reinos pagãos ou arianos do Ocidente, e ocupava o território que correspondia aproximadamente ao da França de hoje. Em vista disso, essa nação recebeu o glorioso título de Filha Primogênita da Igreja4.

Clóvis prestou grande serviço à Igreja Católica, combatendo o arianismo. Assim, no ano 500, numa guerra fratricida no reino da Borgonha, aliou-se a um dos irmãos arianos e, unidos, venceram as tropas do outro que, para salvar-se, prometeu pagar um tributo anual ao rei franco.

Assim os dois reis burguinhões tornaram-se tributários do monarca franco. Com isso cessaram as pressões sobre os católicos daquele reino.

Clóvis I em batalha contra os visigodos. Iluminura de manuscrito na Biblioteca Nacional da Holanda
Clóvis I em batalha contra os visigodos.
Iluminura de manuscrito na Biblioteca Nacional da Holanda
Mais tarde Clóvis venceu os visigodos da Aquitânia, também arianos, onde era ansiosamente esperado pelos católicos locais, duramente perseguidos.

Ele foi encorajado nessa empresa pelo Imperador bizantino Anastácio. Os francos tomaram posse do reino visigótico até os Pirineus e o rio Rhone.

Ao norte da Gália, o rei dos francos foi se assenhorando, nem sempre por métodos lícitos, dos outros reinos francos que existiam ao lado do seu. Como Clóvis era aparentado a esses reis, foi em parte por direito de sucessão, em parte por aclamação popular, que ele se tornou soberano único de quase toda a Gália.

O papel da Igreja na formação do reino franco

Tornando-se senhor de um grande reino, Clóvis mudou sua capital para Paris. Administrava suas várias províncias através de condes, seus representantes, e formou uma aristocracia composta de francos e galo-romanos. Ordenou que fosse posta por escrito a Lei Sálica.

"Foi sobretudo graças à sua conduta em relação à Igreja que Clóvis pôde estender tão facilmente seu poder sobre a Gália. Mesmo antes de sua conversão, ele mantinha relações com São Remígio e Santa Genoveva; e em seguida encontra-se perto dele São Avito, enquanto mantém relações com os bispos católicos dos reinos arianos"5.

Clovis I, gissant em Saint Denis, Paris Túmulo de Clóvis, Saint-Denis
Túmulo de Clóvis, na abadia de Saint-Denis, Paris
Clóvis faleceu repentinamente com 45 anos de idade, tendo sido sepultado na cripta da igreja de Santa Genoveva, que ele havia construído.

Lá permaneceu seu sarcófago até que os revolucionários, durante a Revolução Francesa, o quebraram e espalharam suas cinzas, destruindo também o belo santuário.

O rei franco deixou a seus quatro filhos um reino que antes não fora senão retalhos esparsos.

Estava assentada a base da futura França, onde se reunira "a cultura romana e seu dom de organização, o ardor e a mobilidade dos célticos, a força e profundidade germânicas"6 .

Notas:
1.Juan Bautista Weiss, Historia Universal, Tipografia La Educación, Barcelona, 1927, tomo IV, p. 378.
2.Godefroid Kurth, in The Catholic Encyclopedia, Robert Appleton Company, 1908, Online Edition by Kevin Knight, verbete Clovis.
3.Pe. A. Boulenger, Histoire de l'Église, Librairie Catholique Emmanuel Vitte, Paris, 1925, p. 157.
4."A nobilíssima nação francesa [...] tendo abraçado o Cristianismo pela iniciativa de seu Rei, Clóvis, foi galardoada com o mais honrável testemunho de sua fé e piedade com o título de `filha primogênita da Igreja". (Papa Leão XIII, Carta Encíclica "Nobilissima Gallorum Gens", sobre as questões religiosas na França, promulgada a 8 de fevereiro de 1884).
5.C. Bayet, La Grande Encyclopédie, Société Anonyme de la Grande Encyclopédie, Paris, tomo XI, verbete Clovis, p. 720.
6.Juan Bautista Weiss, op. cit., p. 392.



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quinta-feira, 13 de julho de 2017

Santo Estevão, a monarquia apostólica da Hungria
e o Reinado de Nossa Senhora

Santo Estevão I Confessor (967-1038), rei e apóstolo da Hungria. Estátua em Budapest
Santo Estevão I Confessor (967-1038), rei e apóstolo da Hungria. Estátua em Budapest
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Santo Estevão Confessor (967-1038), rei e apóstolo da Hungria, (inglês, Enciclopedia Católica, espanhol).

A oração da post-comunio na missa diz que o zelo do rei em “propagar e fortalecer a fé do país lhe valeu a realeza celeste”.

Ele instituiu Nossa Senhora como padroeira da Hungria.

Faleceu em 1038, no dia da Grande Senhora, denominação, em virtude de um edito do santo rei, que os Húngaros dão a Nossa Senhora.

Foi pai de Santo Américo (1007-1031), príncipe modelo de pureza habitualmente representado portando couraça e um lírio na mão.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

D. Pelayo e a gloriosa Reconquista espanhola (2)

Don Pelayo, Covadonga
Luis Dufaur
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 Continuação do post anterior: D. Pelayo e a gloriosa Reconquista espanhola (1)



Invasão moura na base da traição

Musa bem Nusayr, com ciúmes dos sucessos de seu capitão Tarif, resolveu também atravessar o Estreito à frente de poderoso exército, com o qual foi conquistando, uma após outra, Sevilha, Mérida, Saragoça e as atuais províncias de Málaga e Granada. Toledo já fora dominada por Tarif no ano de 713.

Juntando infâmia à traição, os partidários do último rei Vitiza foram entregando suas cidades ao invasor.

E assim foram caindo, como cartas de baralho, todas as regiões da Espanha visigótica, restando somente poucos núcleos independentes da autoridade muçulmana nos Montes Cantábricos, nas Vascongadas e junto aos Pireneus.

No ano 716, a maioria da população era composta de hispano-romanos cristãos, aos quais os mouros não obrigavam a se converter ao Islã, porque sua religião era também do Livro Revelado.

Mas tinham que pagar impostos ao invasor, sob pena de escravidão e confisco de bens.

D. Pelayo resiste e é aclamado rei

O governador muçulmano de Gijón, Munuza, enamorou-se da irmã de Pelayo. Por isso enviou-o para Córdoba com outros reféns, para poder dar livre curso a suas paixões desordenadas.

Mas Pelayo conseguiu fugir e voltar para a Astúrias, onde se opôs ao casamento da irmã com o mouro. Perseguido, teve que fugir para os montes de Cangas de Onis.

A gruta da resistência
Lá, em 718, reuniu um grupo numeroso de opositores ao regime islamita, incitou-os à resistência e foi por eles aclamado rei.

D. Pelayo era líder nato e grande aglutinador de homens. Sabia dirigi-los e deles tirar o máximo proveito.

Vendo que o forte da atenção inimiga estava posto na fracassada tentativa de invasão das Gálias, começou a atacar as guarnições mouras em pequenas guerras de escaramuça, alcançando vitórias sucessivas.

Isso levou Tarif, que tornara Córdoba sua capital, a envir contra os rebeldes um forte contingente comandado por Alcama.

Em sua empresa, era este traidor secundado por uma tropa cristã colaboracionista, comandada pelo bispo Opas, que acorrera com seus homens vindo de Toledo.

O Bispo Dom Opas, que já havia pactuado, se adiantou para tentar convencê-lo da inutilidade de resistir e da conveniência de seguir seu exemplo.

Invocando o auxílio de Deus e da Virgem, que tinha como seguros, D. Pelayo rechaçou indignado a proposta traidora, dispondo-se a batalhar até o fim contra os inimigos da Fé.

D. Pelayo não podia enfrentar tão forte inimigo, sobretudo com seu exército pouco numeroso e pouco adestrado.

Enviou parte dele para as montanhas, e refugiou-se com mil de seus melhores combatentes numa grande gruta natural no monte Auseva, com provisão para muitos dias e armas ofensivas e defensivas.

Vitória miraculosa de Covadonga

Chegado o exército islâmico junto à gruta, Alcama tentou uma última vez, através do bispo Opas, a rendição dos rebeldes, com a promessa de perdão para todos.

Respondeu-lhe D. Pelayo que os cristãos confiavam em seu Deus e na ajuda de sua Mãe Santíssima, pois era por eles que lutavam. E preferiam morrer a continuar vivendo sob o jugo de ímpios profanadores de igrejas.

A gruta e a fonte
Retiraram-se os defensores para a gruta, sendo cercados pelo exército inimigo. Pondo sua confiança na Santa Mãe de Deus, Pelayo e os seus, como narra o Pe. Mariana,

“combateram com todo gênero de armas e com um granizo de pedras à entrada da cova; no que se descobriu o poder de Deus, favorável aos nossos e contrário aos mouros, pois as pedras, setas e dardos que os inimigos atiravam retornavam contra os que os arrojavam, com grande estrago que faziam em seus próprios senhores.

“Ficaram os inimigos atônitos com tão grande milagre.

“Os cristãos, animados e inflamados com a esperança da vitória, saem de seu esconderijo pelejando, poucos em número, sujos e de mau talhe; a peleja foi em tropel e sem ordem; carregaram com grande denodo sobre os inimigos, os quais, enfraquecidos e pasmos com o espanto que tinham cobrado, lhes voltaram as costas” (4).

Na fuga morreram mais de 20 mil soldados inimigos. Alcama pereceu na batalha, D. Opas foi feito prisioneiro e justiçado, e Munuza linchado pelos habitantes de uma aldeia, quando empreendia sua fuga.

Início de uma insigne Reconquista na História

Custou caro a derrota aos islamitas. Narram os historiadores árabes que os emires de Córdoba desprezaram o inimigo, dizendo:

“Pelayo não tem consigo mais que 30 homens famintos, que se alimentam com o mel que as abelhas fabricam nas rachaduras dos penhascos; e 30 homens, que podem importar?”.

A batalha
Pelas conseqüências que essa derrota teve depois, na história dos árabes na Espanha, lamentam tristemente seus historiadores: “Grave descuido, que foi depois causa de grandes aflições para o Islã” (5).

Àqueles rudes espanhóis, que os emires de Córdoba desprezavam, podia-se no entanto aplicar a descrição que Menéndez Pidal fez depois, do castelhano em geral:

“Suporta com forte conformidade toda carência, pode resistir às cobiças e à perturbadora solicitação dos prazeres; rege-o uma fundamental sobriedade de estímulos, que o inclina a certa austeridade ética, manifesta no estilo geral de vida; habitual simplicidade de costumes, nobre dignidade de porte, notada mesmo nas classes mais humildes; firmeza nas virtudes familiares”; e, quando preciso, um heroísmo poucas vezes imitado (6).

Tumba de Don Pelayo
O que sucedeu a D. Pelayo após a esplendorosa vitória de Covadonga? Segundo alguns, não se têm mais notícias de ações militares suas.

Estabeleceu sua residência em Cangas de Onis, “que se converteu em núcleo inicial de um reino sem nome nem território, mas com o qual colaborava já o Ducado de Cantábria” (7) .

Segundo o Pe. Mariana, ele fortificou—se nas Astúrias e fazia incursões nas terras sujeitas aos mouros. Atraindo para junto de si um número de pessoas cada vez maior, tomou pelas armas a cidade de León, que teria sido sua primeira capital.

O herói de Covadonga faleceu provavelmente em 737, sendo sucedido por seu filho Fáfila. Este, por sua vez, faleceu apenas dois anos depois, quando caçava um urso. Sucedeu-o um genro de D. Pelayo, filho do Duque da Cantábria.

Notas:
1.Cfr. Luis Suárez Fernández, Historia de España — Edad Media, Madrid, 1978, pp. 9 e 10
2.Id., ib. pp. 9 e 10
3.Padre Mariana, Historia General de España, enriquecida e completada por Eduardo Chao. Imprenta y Libreria de Gaspar y Roig, Editores, Madrid, 1848, tomo I, p. 308.
4.Id., p. 322.
5.Menéndez Pidal, España y sua Historia, Ediciones Minotauro, Madrid, 1957, tomo I, pp. 247, 248.
6.Id., pp. 15, 16.
7.Luis Suárez Fernandez, op. cit., pp. 15, 16. 


(Autor: José Maria dos Santos, “Catolicismo”, outubro de 2002)




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quarta-feira, 14 de junho de 2017

Don Pelayo e a gloriosa Reconquista espanhola (1)

Don Pelayo, estátua em Cangas de Onís, Astúrias
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Considerado um grande personagem, mais pelos efeitos de sua ação do que por sua pessoa, de Don Pelayo pouco sabemos.

Foi, isto pode-se admitir, o detonador do estopim que deflagrou a gloriosa Reconquista contra os mouros.

Iniciada nas agrestes montanhas das Astúrias no ano da graça de 722, ela encerrar-se-ia gloriosamente sete séculos após, em 1492, com a conquista do último reduto muçulmano na Espanha, o de Granada, pelos Reis Católicos Fernando e Isabel.

A avassaladora onda maometana

Menos de 70 anos após a morte de Maomé, seus seguidores já se tinham assenhoreado praticamente de todo o Oriente Médio e partiram para o norte da África, civilizado pelos romanos.

Espíritos nômades e irrequietos, varrendo tudo à sua frente desde o Índico até o Atlântico, voltaram então seus olhares cobiçosos para o continente europeu, imaginando novas conquistas “em nome de Alá”.

Do outro lado do Estreito de Gibraltar, a Espanha visigótica jazia num adiantado estado de decadência, mergulhada em vícios, portanto madura para uma invasão.

Nesse grande reino o exército estava relaxado, o povo amolecido e os dirigentes divididos, combatendo-se entre si.

A perseguição aos judeus, na Península Ibérica, levou-os a revidar, não só convidando, os islamitas a entrar na Espanha por meio de seus correligionários do norte da África, mas também prometendo-lhes ajuda1.

Situação caótica da Espanha visigótica

O penúltimo rei da nação visigótica, o insolente e libidinoso Vitiza, ainda príncipe, por questões amorosas matou com uma bastonada na cabeça o Duque de Fáfila; subindo ao trono, desterrou para Toledo o jovem filho da vítima, o espadeiro ou guarda real Pelayo, herói de nossa história.

A gruta de Covadonga: último reduto de resistência católica
Essas e outras medidas arbitrárias tornaram a dinastia muito impopular.

Com a morte de Vitiza, seus filhos ainda adolescentes não encontraram apoio para subir ao trono.

Aproveitando-se do caos reinante e da ajuda dos descontentes com o antigo regime, Rodrigo, Duque da Bética, apoderou-se do poder, proclamando-se rei.

Os partidários arrianos de Vitiza e de seus filhos juraram vingança contra os católicos depois de serem derrotados.

Enviaram mensageiros aos mouros do lado africano do Estreito de Gibraltar, apontando os pontos fracos da Espanha e por onde poderiam ter invadido o país.

O astuto Musa bem Nusayr, governador da África muçulmana, querendo certificar-se da exatidão das notícias, enviou seu melhor general, Tarif bem Ziyad, para fazer uma incursão em terras espanholas.

Com a ajuda de um traidor — o Conde de Olián, senhor de muitas terras, inclusive de Gibraltar — estremecido na época com o rei D. Rodrigo, Tarif logrou várias vitórias sucessivas (em 711).

“A falta de resistência, a adesão inclusive de numerosos inimigos do regime visigótico, decidiram Tarif a mudar as instruções recebidas, convertendo em guerra de conquista o que a princípio foi uma simples ‘razzia’”2 .

Nossa Senhora de Covadonga
Para fazer face a esse perigo, o rei Rodrigo juntou um exército de cerca de 100 mil homens mal treinados, mal armados e pouco disciplinados para enfrentar um exército menor, mas regular, bem equipado e disciplinado.

No auge da batalha, os filhos de Vitiza e seus sequazes, unindo-se aos mouros, voltaram-se contra seus compatriotas, atacando-os pelas costas. Estes foram desbaratados, tendo muitos perecido, alguns fugido, e boa parte tornando-se prisioneira.

“Dia aziago, jornada triste e lastimosa”, lamenta o escritor Pe. Mariana. “Ali pereceu um número ínclito de godos; ali o esforço militar, ali a fama do tempo passado, ali a esperança do porvir se acabaram; e o império (visigótico), que havia durado mais de trezentos anos, foi abatido por essa gente feroz e cruel”3.

O rei Rodrigo desapareceu. Pelayo, que participou da batalha, pôde escapar, refugiando-se na região norte do país com sua irmã.


(Autor: José Maria dos Santos, “Catolicismo”, outubro de 2002