Réplica da nau capitânia de Don Juan d'Áustria em Lepanto |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
continuação do post anterior: A batalha de Lepanto: um Harmagedon naval entre a Cruz e o Crescente
As tratativas para a Santa Liga foram concluídas em 7 de março de 1571, festa de São Domingos. O Papa, exultante de alegria, entregou o empreendimento nas mãos de Nossa Senhora — as mesmas mãos que séculos atrás haviam dado o Rosário ao santo fundador da Ordem dos Pregadores.
O Santo Padre delegou o comando da pequena, mas prestigiosa frota dos Estados Pontifícios, composta de 12 naus de guerra, ao nobre Marco Antonio Colonna.
O príncipe ajoelhou-se para receber pessoalmente das mãos de São Pio V o estandarte da Liga, no qual estavam estampadas as imagens de Jesus Crucificado, São Pedro, o brasão do Papa e a inscrição “In hoc signo vinces” (“Com este sinal vencerás”).
Foi o lema visto acima de uma Cruz luminosa, no céu, pelo Imperador Constantino, no ano 312, e que o levou à vitória na famosa batalha de Ponte Mílvia, contra o usurpador Maxêncio.
O ponto de encontro de toda frota era a cidade de Messina, na Sicília. Primeiro, chegaram os venezianos com suas 66 naus, comandados pelo veterano Sebastião Veniero, que mantinha o fulgor de soldado, mesmo aos 70 anos. Logo depois, vieram as 60 naus espanholas comandadas por Andrea Doria, experiente navegador do Mediterrâneo.
A cidade de Messina fervia de entusiasmo pela vinda desses novos cruzados. Mas a verdadeira comemoração se deu quando D. João d’Áustria aportou com seus 45 navios.
Ele parecia uma figura angélica: vestido com sua armadura brilhante, cabelos loiros, de porte aristocrático, alto e esguio. O príncipe havia recebido do delegado pontifício, o Cardeal Granvela, o estandarte da Liga. O prelado lhe dissera:
“Toma, ditoso príncipe, a insígnia do verdadeiro Deus humanado. O sinal vivo da santa Fé, da qual tu és defensor nesta jornada. Ele te dará uma vitória gloriosa sobre o ímpio inimigo, e por tua mão será abatido seu orgulho. Amém!”.
Por sugestão do Papa, D. João d’Áustria tomou providências para garantir o sucesso da guerra, atraindo as graças de Deus, o Senhor dos Exércitos.
Todos os combatentes, marinheiros, soldados e nobres, jejuaram durante três dias, além de se confessarem e receberem a Sagrada Comunhão. Mulheres foram proibidas a bordo dos navios para evitar qualquer desregramento. A blasfêmia passou a ser punida com pena de morte.
Em 15 de setembro, a esquadra soltava as velas. O espetáculo da partida é digno de reverência. Centenas de naus se perfilavam com suas bandeiras multicolores.
Na ponta do cais, o Núncio papal, vestido com seus melhores paramentos, abençoava, uma a uma, as embarcações à medida que iam passando.
Nossa Senhora de Lepanto, Espanha |
A insigne esquadra desses verdadeiros cruzados era composta de 208 galés e outra centena de pequenos barcos de transporte e apoio. Mais de 80 mil soldados, nobres e plebeus, era o total dos homens a bordo.
As notícias diziam que a frota turca se encontrava na região da Grécia. D. João d’Áustria decidiu ignorar os conselhos de alguns comandantes de tomar uma posição apenas defensiva. Ele optou por seguir a diretriz dada pelo Santo Padre: perseguir os turcos, atacá-los e aniquilá-los.
Já no litoral grego, os católicos ficaram horrorizados ao verem a destruição promovida pelos infiéis. Cidades destroçadas e incontáveis corpos de mártires espalhados pela região.
O horror produzido nos cruzados se transformava em indignação e maior vontade de acabar de vez com tal insolência dos muçulmanos.
Em 6 de outubro de 1571, a esquadra se aproximou da embocadura do estreito de Lepanto. O inimigo não estava distante. Era uma questão de horas até que ele aparecesse. A noite transcorreu tranquila, o mar calmo e o céu límpido ornado com luz do luar.
No raiar da manhã daquele memorável dia 7 de outubro, a esquadra turca surgiu no horizonte, ainda muito afastada para qualquer embate. Saindo do golfo, com vento favorável vindo do leste, enfunavam-se as velas de mais de 280 galés de combate, levando 100 mil turcos!
Os chefes cristãos vieram conferenciar com D. João d’Áustria em sua nau capitânia, La Real. “Não é prudente dar batalha a um inimigo numericamente superior”, disseram eles ao generalíssimo.
Mas o jovem príncipe retrucou com firmeza: “Não é hora de conversar, mas de lutar”.
Todos sentiram tal confiança estampada em seu rosto e em suas palavras, que não hesitaram mais. D. João d’Áustria concluiu: “Aqui venceremos ou morreremos”.
No início da tarde, um vento favorável soprou do oeste, lançando os cristãos em direção do inimigo. Era como se Deus estivesse “ansioso” para vê-los em ação.
À distância, os turcos dispararam um canhão em sinal de ameaça. De sua nau capitânia — onde tremulava uma bandeira com a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, vinda das possessões espanholas na América — D. João d’Áustria aceitou o desafio e ordenou um disparo de revide que afundou um dos barcos turcos.
O cenário estava montado para a maior batalha naval da História. É o que veremos no próximo post.
Fontes bibliográficas:
WEISS, Juan Bautista. Historia Universal, Barcelona: Tipografia La Educación, 1929, vol. IX, pp. 535 a 540.
Walsh, William Thomas. Felipe II, 7ª edição, Madri, Espasa-Calpe, 1976, pp. 565 a 579.
Lataste, J. (1911). Pope St. Pius V. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company. http://www.newadvent.org/cathen/12130a.htm
Continua no próximo post : Lepanto: se engaja a batalha do tudo ou nada
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