Don Fernán González, conde de Castela |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Estava o conde Fernán González caçando com os seus cavaleiros na vila de Lara. De repente, um feroz javali saiu disparado de um matagal.
O conde, desejoso de caçar tão boa presa, sem esperar por seus companheiros, saiu a cavalo em perseguição ao animal, que corria velozmente.
Por fim chegou a uma ermida desconhecida, onde o javali se meteu pela porta.
Então o conde, pegando a espada, se dirigiu à ermida, onde a fera tinha entrado.
O javali havia se refugiado atrás do altar. O conde se ajoelhou diante do altar e começou a rezar.
Neste momento saiu da sacristia um monge de venerável aspecto e avançada idade, apoiado num rude e retorcido cajado.
Aproximou-se do conde e saudou-o, dizendo:
“E ainda te digo que antes de começar a batalha terás um sinal, que te fará arrepiar a barba e aterrorizará a todos os teus cavaleiros. Agora vai, vai lutar, que hás de alcançar a vitória”.
Túmulo do conde Fernán Gonzalez, San Cosmas, Covarubias |
O conde agradeceu ao monge por suas palavras e saiu da ermida.
Montou a cavalo e galopou através da mata, até encontrar seus cavaleiros, já impacientes pela tardança de seu senhor.
O conde ordenou seu batalhão e se dirigiu ao encontro de Almanzor, que vinha correndo para o ataque.
Quando viram o exército mouro, prepararam-se para o combate.
O conde viu, entretanto, que tinha poucos soldados.
Nisto um cavaleiro cristão se adiantou, passando velozmente diante do exército dos infiéis.
Apenas galopou um pouco, e a terra se abriu, tragando o cavaleiro.
Depois se fechou, e tudo ficou como antes.
Grande terror se difundiu pelo exército cristão, mas Fernán González, que sabia que esse era o temeroso sinal anunciado pelo monge da ermida, disse em alta voz a seus cavaleiros:
“Não temais! Se a terra não é capaz de suportar-nos, quem poderá conosco? Vamos para o ataque!”
E se lançaram contra os mouros, que já galopavam também, prontos para o encontro.
O choque dos exércitos foi terrível.
Os cristãos, apesar de serem poucos, conseguiram resistir ao primeiro ataque dos mouros, e logo estes começaram a retroceder.
O conde, que havia sido quem dera as primeiras baixas no adversário, animava seus guerreiros, e era o mais valente de todos.
Mosteiro de São Pedro de Arlanza |
Grande vitória para os cristãos, que retornaram cheios de alegria.
O conde separou uma parte dos despojos e foi à ermida, para entregá-la ao monge que lhe profetizara a vitória.
E o encarregou de erguer uma igreja, que foi logo o famoso Mosteiro de São Pedro de Arlanza.
O califa Abderramán recebia dos cristãos um tributo a cada ano.
Mas em determinada ocasião os reis D. Ramiro de Castela e D. Garcia de Navarra, e Fernán González, que era o conde tributário de Castela, se negaram a pagar o vergonhoso tributo.
E não só se negaram a pagar, mas mataram os insolentes mensageiros que o califa mouro enviara para reclamar o tributo.
Quando isto chegou aos ouvidos de Abderramán, este se enfureceu, e com seu exército entrou no território dos castelhanos, destruindo os campos e fazendo cruel vingança contra os habitantes daquelas terras.
Túmulo do conde Fernán González, San Cosmas, Covarrubias |
Disseram-lhe que os muçulmanos vinham em grande número, mas ele não deu muito crédito.
Mas quando viu chegar a enorme hoste sarracena, voltou até Simancas, e dali enviou cartas a Fernán González e ao Rei Garcia.
Acudiram os dois ao mesmo tempo. Mas todo o exército cristão não chegava a alcançar nem a metade dos muçulmanos. Então o Rei Ramiro disse:
“Não tenho nenhum conselho que possa servir-nos. Grande é a hoste dos infiéis mouros e minguada a nossa.
“Mas temos a proteção de São Tiago, que está enterrado em terras galegas.
“Por ele obra Nosso Senhor grandes milagres, e a ele quero me encomendar, e prometo dar-lhe meu reino se nos ajudar nesse apuro”.
São Millán (ou Emiliano) na batalha de Simancas, padroeiro de Castela |
“Em nossa terra há o corpo de São Millán, que também opera grandes milagres. A ele nos entregamos, e juramos dar-lhe tributo”.
No outro dia de manhã saíram da fortaleza e se dispuseram para o combate. Antes de começar, todos os cristãos se ajoelharam para rezar.
Os mouros, vendo seus inimigos nesta posição, pensaram que estes, aterrorizados, queriam se entregar.
Lançaram-se contra eles, mas os fiéis de Cristo montaram em seus corcéis rapidamente e detiveram o ímpeto de seus inimigos. Grande fúria foi a dos castelhanos, leoneses e navarros.
E ainda aumentaram seu valor quando, em meio ao combate, viram aparecer dois desconhecidos cavaleiros que, montados em formosos corcéis brancos, se puseram à frente dos exércitos cristãos.
E destroçaram os mouros de tal modo, que eles acreditavam que, em vez de dois, havia dois mil cavaleiros sobre os corcéis.
Atrás dos dois avançavam os cristãos, e desde Simancas até Aza perseguiram os mouros, que fugiram vencidos.
Grande foi a alegria dos católicos.
Quando procuraram os dois cavaleiros, que tanto contribuíram para a vitória, não puderam encontrá-los, e compreenderam que eram os dois santos a quem haviam prometido pagar tributo, se os ajudassem.
E desde então esse tributo foi pago.
(V. Garcia de Diego, "Antología de Leyendas de la Literatura Universal" - Labor, Madrid, 1953, p. 27)
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