terça-feira, 27 de julho de 2021

São Luís IX descrito por um contemporâneo

São Luis, Beaune, Notre Dame

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs









“Em nome de Deus todo poderoso, eu, João, senhor de Joinville, senescal de Champagne, faço escrever a vida de nosso São Luís, e aquilo que eu vi e ouvi pelo espaço de seis anos que estive em sua companhia, na viagem de ultramar e depois que voltamos.

“E antes de que vos conte seus grandes feitos e sua cavalaria, contar-vos-ei o que vi e ouvi de suas santas palavras e bons ensinamentos, para que se achem aqui numa ordem conveniente, a fim de edificar os que os ouvirem.

“Esse santo homem amou Deus de todo o seu coração e agiu em conformidade com esse amor.

“Pareceu-lhe bem que, assim como Deus morreu pelo amor que tinha ao Seu povo, assim o rei colocou seu corpo em aventura de morte, o que bem poderia ter evitado se tivesse querido, como se verá a seguir.

“O amor que tinha a seu povo transpareceu no que ele disse a seu filho primogênito, durante a grande doença que teve em Fontainebleau:

“Bom filho, disse-lhe, peço-te que te faças amar pelo povo do teu reino, pois verdadeiramente eu preferiria que um escocês viesse da Escócia e governasse o povo do reino bem e lealmente, a que tu o governasses mal”.

“Amou tanto a verdade que não quis recusar, mesmo aos sarracenos, o que tinha prometido, como o vereis mais adiante.

São Luis faz caridade com os pobres“Foi tão sóbrio no paladar que jamais em minha vida o ouvi mandar que lhe servissem quaisquer iguarias, como fazem muitos nobres, mas comia pacientemente o que seus cozinheiros lhe traziam.

“Foi moderado em suas palavras, pois jamais em minha vida o ouvi falar mal de ninguém, e nunca o ouvi nomear o diabo - cujo nome está tão espalhado pelo reino, o que acredito não agrada nada a Deus.

“Ele diluía seu vinho na proporção em que via que o vinho lhe poderia fazer mal.

“Perguntou-me um dia, na ilha de Chipre, por que eu não colocava água no meu vinho, e eu lhe disse que os médicos m’o ordenavam, dizendo-me que eu tinha uma cabeça grande e um estômago frio, e que não podia me embriagar.

“E o rei disse-me que eles me enganavam, porque se eu não diluía o vinho na minha mocidade e quisesse fazê-lo na velhice, a gota e os males do estômago tomariam conta de mim, e nunca teria saúde, e que se eu bebesse o vinho totalmente puro na minha velhice, eu me embriagaria todos os dias, e que isso era uma coisa muito vil para um valente homem, o embriagar-se.

Sao Luis partindo para as Cruzadas“Perguntou-me se queria ser honrado neste século e ter o paraíso depois de minha morte. Disse-lhe: Sim; e ele continuou: “Guardai-vos então de fazer, de dizer qualquer coisa que não possais declarar, se todo o mundo a souber, e não possais dizer: Eu fiz isso, ou disse aquilo”.

“Ele chamou-me uma vez e me disse:

“Não ouso falar-vos, por causa do espírito subtil de que estais dotado, de coisa que se refira a Deus; e por isso chamei os irmãos que estão aqui, pois quero fazer-vos uma pergunta”.

“A pergunta foi esta: “Senescal, disse, quem é Deus?” e eu respondi:

“É tão boa coisa como melhor não pode ser”.

“Verdadeiramente, continuou o rei, está bem respondido, porque essa resposta que destes está escrita neste livro que tenho em mãos.

“Agora, pergunto-vos, disse, o que preferiríeis: ser leproso ou ter cometido um pecado mortal?”.

“E eu, que nunca lhe menti, respondi que preferiria ter cometido trinta pecados que ser leproso.

São Luis entrega as Ordenações a um funcionário“E quando os irmãos tinham partido, chamou-me a sós, faz-me sentar a seus pés e disse-me: “Como me dissestes aquilo?”. E eu disse que ainda o dizia, e ele continuou:

“Falais sem reflexão, como um avoado; porque não há lepra tão vil como a do estar em pecado mortal, porque a alma que nele está, é semelhante ao demônio do inferno.

“É por isso que nenhuma lepra pode ser tão má.

“E é verdade que quando o homem morre, fica curado da lepra do corpo; mas quando o homem que cometeu o pecado mortal morre, não sabe e não é certo que tenha tido um tal arrependimento que Deus o tenha perdoado.

“Deve ter muito grande temor de que essa lepra lhe dure tanto tempo quanto Deus estiver no paraíso.

“Assim, rogo-vos, acrescentou ele, tanto quanto eu possa, que tomeis mais a peito, pelo amor de Deus e de mim, o preferir que todo mal de lepra e toda outra doença chegue a vosso corpo, antes que o pecado mortal chegue a vossa alma”.

“O rei amou tanto toda espécie de pessoas que crêem em Deus e O amam, que deu a dignidade de condestável de França a monseigneur Gilles Lebrun, que não era do reino de França, porque ele tinha grande reputação de crer em Deus e de amá-lo. E eu creio verdadeiramente que assim foi.

“A lealdade do rei mostrou-se bem no caso de monseigneur de Trie, que remeteu ao santo rei cartas, as quais diziam que o rei tinha dado aos herdeiros da condessa de Boulogne, recentemente falecida, o condado de Dammartin.

São Luis, Sainte-Chapelle, Paris“O selo das cartas estava rompido; não restava senão a metade das pernas da figura do rei, no selo, e o escabelo sobre o qual o rei apoiava os pés, e mostrou-o a nós todos que éramos de seu conselho, e pediu-nos que o ajudássemos com nosso parecer.

“Dissemos todos unanimemente que ele não estava em nada compelido a pôr as cartas em execução; e então disse a Jean Sarrasin, seu chambellin, que lhe entregasse a carta que lhe tinha encomendado.

“Quando recebeu a carta: “Senhores, disse-nos, eis o selo de que eu me servia antes de que fosse a ultramar, e vê-se claramente por este selo que o sinete do selo quebrado é semelhante ao selo inteiro.

“É por isso que não ousaria, em sã consciência, reter o dito condado”.

“E então chamou monseigneur Renaud de Trie e disse-lhe: “Eu vos entrego o condado”.




(Autor: Charles de Ricault d’Héricault, « Histoire Anecdotique de la France », Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, Tomo II, pp. 286 a 289).



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terça-feira, 13 de julho de 2021

Santo Agostinho de Cantuária, os beneditinos e os homens que vencem

Santo Agostinho de Cantuária segura na mão a primeira igreja que fundou
Santo Agostinho de Cantuária segura na mão a primeira igreja que fundou
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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Continuação de post anterior: Santo Agostinho de Cantuária e a verdadeira vitória



Quando Henrique VIII passou para o protestantismo, o número de mártires que a Inglaterra teve não foi pequeno.

Mas o número de apostasias foi colossal.

A nação inteira apostatou não por convicção, mas por oportunismo, por não querer ter amolação com o rei.

Passou da Igreja verdadeira para uma falsa. Conventos inteiros, ordens religiosas, dioceses com o bispo à frente, passaram para a religião falsa por comodismo.

Alguns heróis se levantaram: não foram seguidos!

Deus recompensou no Céu a alma deles pelo que fizeram.

Mas a terra castigou com repúdio deles os moles.

Mais tarde, veio outra graça para a Inglaterra e Deus não permitiu que essa lhe fosse útil: é o episódio da Invencível Armada.

Felipe II da Espanha constituiu a Invencível Armada a qual ia levando nos porões uma grande quantidade de exemplares da Bula de São Pio V excomungando a rainha.

Essa frota naval foi dispersada nos mares é tido como um castigo para a Espanha.

Não conheço comentário mais estúpido nem mais superficial, porque para quem dá valor antes da tudo à fé católica e à salvação da alma a verdadeira castigada foi a Inglaterra.

A Espanha perdeu o prestígio político, bens terrenos, uma armada que valia muito, perdeu filhos mortos naquela dispersão que, afinal de contas, ganharam o Céu com isso.

A Inglaterra, o que ela perdeu? A última oportunidade de se voltar a ser um país católico, porque com o desembarque dos espanhóis, estava tramada uma revolução dos católicos.

Armada Invencível se prepara para partir
Armada Invencível se prepara para partir

Mas a Inglaterra estava completamente podre do ponto de vista moral. Resultado: acabou se perdendo...

Assim as nações caem.

Isso explica também o significado da ação do punhado de pessoas denodadas, que lutam hoje contra a enorme heresia do progressismo, heresia que vai tomando tudo como o anglicanismo tomou a Inglaterra...

Nunca a pessoa é derrotada quando luta por Nossa Senhora, porque Ela recompensa sempre!

O derrotado é aquele a quem foi permitido fazer o crime de derrotar os bons.

Os derrotados são os que rejeitaram os bons ou os que não os acompanharam; esses são os derrotados.

Se tivermos o favor de Nossa Senhora de cumprir o dever até o fim, seremos os vitoriosos!

Outro aspecto muito bonito sobre a vida de Santo Agostinho de Cantuária são esses monges navegantes.

Santo Agostinho de Cantuária, escultura em madeira do século XIX
Santo Agostinho de Cantuária,
escultura em madeira do século XIX
Os monges beneditinos desbastaram os sertões europeus no tempo em que a Gália, a Germânia, a Europa Central, a Panônia, que hoje são Suécia, Noruega, Dinamarca, Polônia, eram bárbaras.

Os monges se instalavam lá: secavam pântanos, derrubavam e replantavam florestas, abriam estradas, faziam pontes...!

Se preocupando só em rezar, eles, entretanto eram tais que de sua oração tudo brotava e os frutos temporais eram superabundantes.

Porque eles procuravam o amor de Deus e sua justiça acima de todas as coisas, e todas as coisas lhe eram dadas em acréscimo.

Aqui há a linda figura de um monge – que não se julgava obrigado a pôr clergyman e menos ainda se vestir de malandro – num barquinho nos mares bravios do norte, nas brumas, nos rochedos, sozinho, de pé, rezando ou trabalhando contra a tempestade...

De tal maneira, que é até comparado a uma ave marítima pelas populações que vão ali à orla do mar ver aquela luta.

Eles preludiaram a toda epopeia marítima dos ingleses.

O que os piratas ingleses fizeram por roubalheira do protestantismo no mundo, foi o abuso de um dom temporal que começou com esses monges navegadores.

Outro fato estupendo: um grupo de monges que está descarregando de madeira e não conseguem enquanto as pessoas na praia estão dando risada.

São Cutiberto, o do estandarte invencível, reza e sua oração é invencível. As madeiras chegam e a fé do povo aumenta. Como isto é belo!...

Como isso é diferente do raquitismo das obras católicas nas décadas que precederam o Concílio.

Que coisa difícil era levar adiante um jornal católico, montar uma rádio católica!

E quando saíam o que eles difundiam?

Que coisa do outro mundo fundar um colégio católico! Quando fundava, era uma máquina de fazer tudo, menos católicos: uma máquina de birbantes!...

Os frutos espirituais eram pecos e os frutos temporais eram pocas. Por quê? Porque os homens já não eram homens de Deus como deveriam ser...

Moral do caso: pertençamos a Nossa Senhora inteiramente e todo o resto nos será dado de acréscimo.



(Autor: excertos de palestra de Plinio Corrêa de Oliveira em 28-05-1969. Apud PlinioCorreadeOliveira.info).




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