terça-feira, 27 de junho de 2023

Grandes guerras de Carlos Magno

Carlos Magno no cetro de CarlosV
Carlos Magno no cetro de CarlosV


continuação do post anterior: Os antepassados de Carlos Magno




Carlos Magno e a união do Reino Franco

Carlos não perdeu tempo e as duas partes do reino foram reunidas, sem que houvesse oposição dos súditos de Carlomano. Sua viúva, Gerberga, retornou com seu filho à Itália e se refugiou na corte de seu pai, o rei normando Desidério.

“Deus — alegra-se um monge — elevou Carlos como rei de todo o reino sem que fosse derramada sequer uma gota de sangue”.

É o fim de um longo processo de revigoramento e florescimento de um novo reino, que abarcou várias gerações de homens ínclitos, a começar por Santo Arnolfo.

É também o início de uma grande saga, a de Carlos Magno: no fim de seu reinado, ele tornar-se-á o soberano de um imenso território de mais de um milhão de quilômetros quadrados, comportando as atuais França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça, parte da Itália e da Áustria.

Surgia uma formidável nação, conduzida por um homem grande em todos os sentidos.

A personalidade de Carlos

Assim o descreve Eginhardo, no início da biografia do Imperador:

“Carlos era robusto e forte, de alta estatura, a qual entretanto não passava da justa medida. É geralmente conhecido que ele tinha sete pés de altura.(4) Sua cabeça era redonda, seus olhos muito grandes e vivazes, o nariz um tanto longo.

“Tinha belos cabelos grisalhos e uma fisionomia serena e alegre. A aparência era sempre imponente e digna, pouco importava se ele estava sentado ou de pé.

“O pescoço era de fato um tanto grosso e curto e o abdômen sobressaía um pouco, porém esses defeitos não chamavam a atenção por causa da bela proporção de seus membros.

“O passo era decidido, toda a postura de seu corpo, varonil, sua voz era clara, embora não fosse tão forte quanto seria de esperar dada a sua altura. A sua saúde sempre foi excelente, apenas nos últimos quatro anos de sua vida sofreu ataques de febre e no final coxeava de um dos pés...”

Não há documentos que atestem com certeza o lugar de nascimento de Carlos Magno. Talvez tenha sido em Düren, a meio caminho entre Colônia e Aix-la-Chapelle, onde Pepino presidiu em 748 uma sessão judicial; talvez tenha sido nas proximidades de Paris, como supõem alguns historiadores.

É uma pena que Eginhardo, cuja Vita Caroli Magni lança luz sobre todos os aspectos da personalidade do Imperador — enquanto militar, governante, diplomata, reformador da cultura, pai de família, homem de Fé — não nos forneça qualquer indício a respeito do nascimento de Carlos.

Ele afirma que os fatos relativos à sua infância eram por demais conhecidos para que fosse necessário mencioná-los. Talvez Eginhardo tenha omitido propositadamente os fatos ocorridos entre 748 e 754, e que passadas três gerações, “não eram agradáveis de serem mencionados na Corte”.

Carlos começou a exercer um papel na Corte desde pequeno ao lado de seu pai e de sua mãe, segundo narram as Annales regni Francorum e o Liber Pontificales.

Com seis anos de idade, em 754, foi ao encontro do Papa Estêvão II e o conduziu até seu pai. No ano seguinte, “puer septennis”, participou do traslado das relíquias de São Germano para a igreja de Saint-Germain-des-Prés em Paris.

Em 759 assistiu à tomada de Narbonne, cidade que havia estado durante longo tempo em mãos muçulmanas.

Assim, desde cedo, Carlos foi se preparando para o exercício do poder supremo. Duas qualidades lhe foram de grande valia: sabia como ninguém impor a sua vontade (não arbitrária!) e tinha o discernimento de congregar em torno de si homens de valor em todos os campos: ministros de Deus de comprovada piedade e ortodoxia, sábios dos mais eminentes e eruditos da época, administradores, chefes militares e juízes.

O direito e a justiça lhe eram sagrados. No campo desempenhavam o papel de juízes os simples condes (Grafen); na Corte, os condes do paço (Pfalzgrafen). Contudo, muitas vezes Carlos intervinha pessoalmente.

Conta Eginhardo:“Quando um conde do paço lhe informava de uma disputa judicial que exigia sua decisão, ele mandava entrar imediatamente as partes contraentes, ouvia a explanação do caso e dava sua sentença, exatamente como se estivesse sentado na cátedra do juiz”.

“Imediatamente” — isso podia dar-se até mesmo no meio da noite.

Um juiz precisa ser bom orador. Como juiz supremo, Carlos tinha o dom da palavra, embora sua voz fosse fraca e não proporcional ao seu corpo.

Essa particularidade, indicada por Eginhardo, deixa ver como o biógrafo de Carlos era um observador perspicaz. Segundo ele, Carlos dos olhos grandes e vivos, “exercitava-se continuamente na equitação e na caça, como era o costume de seu povo; pois não se encontrará facilmente sobre a terra povo que nessa arte se possa medir com os Francos”.

Carlos nunca quis distanciar-se do povo, trajando roupas caras e extravagantes. Por isso ele se vestia “segundo os moldes dos francos”.

As camisas eram de linho e também as roupas interiores, sobre as quais trazia um gibão; quando fazia frio, protegia os ombros e o peito “com um casaco feito de pele de foca ou de zibelina”.

À mesa era comedido, embora tivesse grande apetite. Quatro pratos eram suficientes, “fora o assado que os caçadores lhe traziam num espeto e que lhe era muito mais preferível a qualquer outra iguaria”.

Bebia pouco à mesa. Abominava “em extremo” pessoas bêbadas, e jamais quis ver alguém de sua família em estado de embriaguez. Um traço admirável de seu caráter, levando em conta que a bebedeira era mais regra do que exceção nas ceias oficiais da época.

Carlos apreciava a vida de família e foi um bom pai. Todos os seus filhos tiveram sólida educação, independente de seu sexo, nas ciências, “pelas quais ele próprio se interessava”, na literatura, na astronomia.

Não conseguia estar longe dos filhos e dos netos. Conta Eginhardo: “Quando estava em casa, ele jamais comia sem a presença deles”. Nenhuma de suas filhas, que eram muito belas, quis ele dar em casamento, porque não conseguia prescindir de sua presença.

As guerras saxônicas

Carlos foi antes de tudo um grande guerreiro. A esse respeito escreve o historiador alemão Johann Baptist Weiss:

Vitral de Carlos Magno, na catedral de Chartres
Vitral de Carlos Magno, na catedral de Chartres
“A Carlos se chama com razão de Magno: merece este nome enquanto general e conquistador, ordenador e legislador do imenso reino, enquanto inspirador da vida intelectual no Ocidente.

“Sua vida é uma luta contínua contra a brutalidade e a barbárie, contra inimigos do Norte e do Sul, que ameaçam a nova cultura, a nova Religião, a nova cosmovisão da raça germânica.

“O número de suas campanhas militares ascende a 53, isto é, 18 contra os saxões, uma contra os aquitanos, cinco contra os lombardos, sete contra os muçulmanos na Espanha, uma contra os turíngios, quatro contra os ávaros, duas contra os bretões, uma contra os bávaros, quatro contra os eslavos do norte do Elba, cinco contra os sarracenos na Itália, três contra os dinamarqueses e duas contra os gregos.

“A prudência e a valentia de Carlos são únicas, assim como a rapidez com que fulmina seus inimigos, bem como sua sorte, que deixa entrever nele um predileto da Providência, um poderoso do Senhor”.

As guerras contra os saxões foram as que por sua longa duração — 33 anos! — mais puseram à prova a paciência e a perseverança de Carlos. Os saxões eram pagãos entregues a fazer devastações e pilhagens no reino franco.

Tremendos guerreiros, eles viviam em regime de castas, jamais foram vencidos definitivamente pelos grandes generais romanos como Júlio César, Drusus ou Tibério. Derrotados, concluíam pactos de paz, sempre prontos a rompê-los na primeira oportunidade.

Já no ano seguinte à unificação do Reino, na primavera de 772, Carlos reuniu seu exército em Worms, atravessou o Reno e atacou os saxões em Eresburg, citadela e santuário da Westfália, onde se encontrava o famoso ídolo Irminsul.

Uma luta encarniçada se travou, os francos levaram a melhor, destruíram o templo, queimaram o bosque sagrado e derrubaram o ídolo. Os westfálios se submeteram, aceitaram sacerdotes para serem evangelizados e entregaram 12 reféns.

Grande passo rumo à integração dos saxões ao império franco representou a conversão de Widukind, um dos mais notáveis chefes saxões, ocorrida em 785. De Widukind descende Santa Matilde, mãe do Imperador Oto I, o Grande.

Apoio ao Papa contra os lombardos

Carlos Magno, iluminura de um manuscrito do século XV.
British Library.

Da Westfália Carlos correu em socorro do Papa Adriano I, atacado pelos lombardos. Desidério, rei lombardo, desejava que o Papa ungisse como reis seus netos, os dois filhos de Carlomano, que haviam se refugiado com sua mãe Gerberga em sua corte.

Pretendia assim vingar-se de Carlos Magno pelo repúdio de sua filha, instigando com essa unção uma revolta no Reino Franco. Adriano I se recusou a ungir os netos de Desidério que, em represália, atacou diversas cidades dos Estados Pontifícios e jurou dirigir-se com todo o seu exército contra Roma.

O Papa não cedeu e mandou murar algumas portas da Cidade Eterna. Em seu socorro acorreu Carlos. Em setembro de 773 reuniu ele um exército em Genebra, atravessou os Alpes e estabeleceu o cerco de Pavia, capital dos lombardos.

O sítio, do qual saiu vitorioso, durou até meados de 774. Gerberga foi enviada para um convento. E seus dois filhos para um mosteiro.

Enquanto durou o cerco de Pavia, Carlos dirigiu-se a Roma, tendo lá chegado no Sábado Santo, 2 de abril de 774, sendo recebido com grandes manifestações de júbilo e honrarias.

Os romanos vieram ao seu encontro com ramos de oliveira, e os estudantes o aclamaram: “Salve o Rei dos Francos, o defensor da Igreja”!

Carlos dirigiu-se a pé até a Basílica de São Pedro, onde o Papa o esperava nos degraus do pórtico. No dia 6 de abril, Adriano I recordou a doação de Pepino.

Carlos não apenas a confirmou, mas ainda acrescentou aos territórios doados por seu pai a Córsega, o Exarcado de Ravena, as províncias de Veneza e Ístria, bem como os ducados de Benevento e Spoleto.

Ficou estabelecido que Carlos assumiria a proteção dessas províncias e exerceria, sob o título de “Patrício Romano”, a jurisdição suprema em Roma, no Ducado e no Exarcado.

De Roma, Carlos retornou ao cerco de Pavia. Os lombardos não tiveram mais condição de resistir; seus chefes abriram as portas para o exército de Carlos e lhe entregaram Desidério, o qual foi enviado — segundo os costumes da época — a passar o resto de sua vida num mosteiro.

Com a submissão dos lombardos, aos quais Carlos deixara intactos seus direitos, dá-se apenas uma mudança dinástica. Carlos assume o título de “Rei dos Lombardos”.

Enquanto os francos lutavam na Lombardia, os saxões insurgiram-se e devastaram a Frísia e o Hessen. Com a velocidade de uma águia, Carlos retorna e em 775 atravessa o Reno em Colônia, submete novamente os saxões da Ostfália e da Westfália.

Entrementes, explodiu uma conspiração para repor Desidério no trono da Lombardia, com apoio de altos nobres lombardos e da corte de Bizâncio, invejosa com os sucessos dos francos. O plano fracassou graças à vigilância do Papa Adriano I e à rapidez da reação de Carlos.


continua no próximo post: O fomento da cultura, a renascença carolíngia 


(Autor: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015



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terça-feira, 13 de junho de 2023

Os antepassados de Carlos Magno

Carlos Martel na batalha de Poitiers contra os invasores islâmicos
Carlos Martel na batalha de Poitiers contra os invasores islâmicos
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







“Nemo summum fit repente” (nada de importante ocorre de repente), diz o adágio latino, que bem pode ser aplicado ao surgimento de grandes personalidades. Estas são como picos do Himalaia, tendo em sua base e a seu lado outros tantos cimos fabulosos. Assim também com Carlos Magno e sua família.

A família de Carlos era desde os fins do século VI rica e influente, fornecendo sucessivos Prefeitos do Paço aos reis da dinastia merovíngia — uma espécie de ministros plenipotenciários, enquanto o monarca ocupava uma função meramente protocolar.

Santo Arnolfo, tataravô de Carlos Magno

Dentre os Prefeitos do Paço sobressai a grande figura de Santo Arnolfo, que exerceu este alto cargo no reinado de Teudeberto II (595-612), distinguindo-se por seus dotes de comandante militar e de administrador civil.

Justo, digno e equitativo, aliava aos gostos de um nobre as qualidades de um homem de Estado. Preceptor do futuro rei Dagoberto, fez deste um rei justo, “le bon Roi Dagobert”, como evoca ainda hoje uma graciosa canção infantil francesa.

Casado, aspirava entretanto a uma vida de recolhimento e oração; de Ansegisel, seu filho primogênito, descende Carlos Magno em linha direta.

Depois de 12 anos servindo na Corte, Arnolfo foi nomeado — para sua grande consternação — para a Sé episcopal de Metz, cujo bispo acabara de morrer.

Embora leigo, não teve como recusar. Ordenado e sagrado Bispo de Metz, governou a diocese durante mais de uma década, retirando-se afinal para levar a vida de recolhimento a que sempre aspirou. Faleceu no dia 18 de julho de 641; seus restos mortais repousam na catedral de Metz.

Carlos Martel

Na linhagem direta de Santo Arnolfo figuram Santo Hugo, arcebispo de Rouen, e seu irmão Carlos Martel, o martelo vencedor dos muçulmanos na batalha de Poitiers, em outubro de 73.

Essa vitória que, pondo freio ao avanço muçulmano na Europa Ocidental, representou um contributo importante para a obra de seu neto, Carlos Magno, rumo à formação de uma Europa cristã na alta Idade Média.

Neste sentido escrevia em 1788 o historiador britânico Edward Gibbon que, sem o Martelo Franco, muito provavelmente os sarracenos teriam chegado “às fronteiras da Polônia e às terras altas da Escócia; a frota árabe teria subido sem lutas o Tâmisa e em Oxford se ensinaria a interpretação do Corão”.

Jacob Burckhardt, historiador alemão, referia-se em 1880 a Carlos Martel como “o grande fundador de uma Cristandade ocidental que impediu que a bandeira do profeta (Maomé) balançasse durante séculos nas torres da França”. (Cfr. Helene Zuber, Razzia in Gallien, Spiegel Geschichte 6, 2012).

Carlos Martel em Poitiers. Charles de Steuben (1788-1856). Museu de Versailles
Carlos Martel em Poitiers. Charles de Steuben (1788-1856). Museu de Versailles
Carlos Martel teve três filhos: Carlomano, Pepino e Grifo, este último oriundo de seu segundo casamento. No ano de 737, quando seu primogênito tinha cerca de 20 anos, toma uma decisão que teria no futuro um resultado importante: deixa vacante o trono dos francos quando da morte do rei Teodorico IV.

Após a morte de Carlos Martel, no outono de 741, Carlomano e Pepino tomam o poder como Prefeitos do Paço e alijam dele seu irmão mais novo, mandando-o para um mosteiro.

Carlomano fica com a Austrásia, a Alamânia e a Turíngia, enquanto Pepino passa a governar a Neustrásia, a Borgonha e a Provença.

Em 743 ambos os irmãos resolvem instalar novamente um rei da dinastia merovíngia, Childerico III, que lhes legitimasse o governo.

Nos anos seguintes empreendem campanhas militares na Aquitânia, Alamânia e Baviera, consolidando sua posição nas partes extremas do reino. Ao mesmo tempo desejam reformar lamentáveis relaxamentos existentes no povo e no clero.

Assim, em 743 Carlomano convoca, com a participação de São Bonifácio, o Concilio Germânico, ocasião em que este santo, escrevendo ao Papa, traça um quadro dramático da situação moral da época:

“No momento as sedes das cidades episcopais encontram-se em grande parte entregues a leigos gananciosos e intrusos, a clérigos que se estadeiam na luxúria e se dedicam a ganhar dinheiro para o gozo mundano”.

E mais adiante fala dos padres “que têm quatro, cinco ou mais concubinas na cama, mas que não se coram nem se pejam de ler o Evangelho”. 

Pepino, por sua vez, convoca um sínodo de bispos na velha cidade real de Soissons, com a recomendação aos sacerdotes de seu reino de não hospedarem mulheres em suas casas, com exceção de suas mães, irmãs e sobrinhas.

Pepino, o Breve, rei dos Francos

No ano de 747, depois de seis anos de governo conjunto, Carlomano surpreende os francos com uma notícia sensacional: resolvera deixar o cargo de Prefeito do Paço para se retirar a um convento, o de Montecassino, na Itália.

Não se sabe ao certo se essa foi uma decisão forçada por seu irmão Pepino ou se resultou de a um movimento da graça divina. Fato é que Pepino tornou-se o único Prefeito do Paço no reino dos francos sob Childerico III.

Ao contrário de Carlomano, que tinha filhos, o casamento de Pepino com a rica condessa Bertrada ainda não frutificara. Depois de muitas orações, no dia 2 de abril de 748 Bertrada dá à luz a um menino, batizando-o com o nome de Carlos. Estava garantida a sucessão.

Três anos mais tarde, Pepino toma uma atitude mais ousada. Em novembro de 751, com o apoio do Papa São Zacarias, reúne os grandes do Reino em Soissons, onde se faz aclamar Rex Francorum separadamente pelos nobres e pelo povo.

Pepino, exercendo seu cargo de Prefeito do Paço, almejava o título de Rei. O poder de fato estava desde há mais de um século nas mãos dos Prefeitos carolíngios do Palácio.

A legitimação para a tomada do título de Rei foi dada a Pepino pelo Papa Zacarias, a quem Pepino enviou seus mais importantes conselheiros, Fulrado de Saint Denis, e o bispo Burkhard, de Würzburg, com a pergunta se era bom que entre os francos houvesse reis “que não tinham poder enquanto reis”.

A resposta do Papa foi: “É melhor designar como Rei aquele que tem o poder”.

São Zacarias foi o último Papa de origem grega. Além de dar grande apoio ao apostolado de São Bonifácio — o Apostolus germanorum —, estabeleceu e fortaleceu as relações da dinastia carolíngia com o Papado.

Em seguida, no ponto alto de uma cerimônia religiosa, ungem-no os bispos com os santos óleos. Quanto a Childerico, o último rei da dinastia de Clóvis, é enviado com o cabelo cortado curto — sinal da perda de sua dignidade real, segundo os costumes merovíngios — juntamente com seu filho Teodorico, para o mosteiro de Prüm.

Pepino o Breve, pai de Carlos Magno. Louis Félix Amiel, Musée historique de Versailles
Pepino o Breve, pai de Carlos Magno. Louis Félix Amiel,
Musée historique de Versailles
Neste mesmo ano de 751, Aistolfo, rei dos lombardos, conquista Ravena, a antiga capital do Império Romano, das mãos dos bizantinos, e no ano seguinte passa a acossar o Papa — então Estêvão II — e a exigir dele o reconhecimento de sua soberania sobre os territórios conquistados.

Abandonado pelo Imperador Romano de Constantinopla, Estevão II solicita ajuda contra os lombardos a Pepino, com quem se encontra na cidade de Ponthion, no reino Franco.

Em consequência das conversações, entre os dois surge uma aliança transalpina que marcará o horizonte político de toda a Idade Média.

No dia 28 de julho do mesmo ano, na Basílica de Saint-Denis, o Papa unge de novo Pepino, juntamente com seus filhos Carlos (747-814) e Carlomano (751-771).

Estabelecido o acordo com o Papa Estêvão II, Pepino rompe a aliança com os lombardos e se dirige militarmente contra eles. Cercado em sua capital Pavia, Aistolfo mostra-se inicialmente conciliatório, mas tão logo Pepino se retira, ataca novamente o Papa em Roma.

O rei dos Francos retorna em 756, derrota os lombardos e obriga Aistolfo a reconhecer o domínio franco, bem como a ceder ao Papa o Exarcado de Ravena, composto pelas cidades de Istria, Veneza, Ferrara, Ravena, Pentápolis e Perugia.

Essa famosa “doação de Pepino”, confirmada e aumentada por seu filho Carlos Magno em 774, constituiu os Estados Pontifícios ou Patrimônio de São Pedro.

Pepino, o Breve, empreendeu ainda guerras bem-sucedidas contra os saxões e os sarracenos, arrebatando a estes a cidade de Narbonne e expulsando-os para além dos Pirineus.

Em 757, o duque Tassilo II da Baviera prestou-lhe juramento de vassalagem. Nos anos seguintes Pepino vai se dedicar à conquista da Aquitânia, o que terá grande importância na futura formação da França.

Carlos e Carlomano


Antes de sua morte no ano de 768, Pepino dividiu o reino entre seus filhos Carlos e Carlomano. Seus restos mortais foram sepultados na Catedral de Saint-Denis, nos arredores de Paris.

Em agosto de 1793, no auge das insânias da Revolução Francesa, um bando de sans-culottes profanou seu túmulo e jogou seus restos mortais numa vala comum.

Ao primogênito Carlos, já experiente nos assuntos do governo apesar de ter apenas 20 anos, coube reinar na Turíngia, na Frísia, na Gasconha, na Nêustria e nas regiões francas entre os rios Loire e Schelde.

Carlomano tinha apenas 17 anos quando começou a governar a parte central do reino: a Provença, o Languedoc, o maciço central, a Alsácia, a Alamânia e a região ao sul de Paris.

Quanto à parte norte da Austrásia, bem como à região dos rios Maas, Mosela e Reno, berço dos carolíngios, e a Aquitânia, foram elas divididas entre os dois irmãos.

As capitais de ambos os territórios eram Noyon e Soissons, distantes uma da outra cerca de 30 km, onde os dois irmãos se fizeram aclamar em 9 de outubro de 768.

Carlomano reinava sobre um bloco mais compacto; por sua vez, as regiões que estavam sob o governo de Carlos eram mais ricas.

Embora Eginhardo assevere que as relações entre os dois irmãos tenham sido inicialmente harmônicas, é inegável que elas se esfriaram pouco depois, quando o duque Hunald se sublevou na Aquitânia, ao saber da morte de Pepino, o Breve.

Carlos solicitou o apoio do irmão para dominar a sublevação e encontrou uma firme recusa de Carlomano em lhe apoiar a expedição militar, aliás vitoriosa.

Tal recusa enfureceu Carlos, pois a seus olhos mais se parecia a uma fuga diante do adversário. Era previsível um entrechoque entre os irmãos, com graves consequências para o reino franco.

Esse perigo se afastou com a morte inesperada de Carlomano, após curto período de doença, no dia 4 de dezembro de 771. Com ela se esfumaçou o pesadelo de uma guerra fratricida. 



continua no próximo post: Grandes guerras de Carlos Magno


(Autor: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015




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São Bernardo: "eu vou executar esse criminoso com minhas próprias mãos!"

São Bernardo de Claraval ajoelhado diante de Nossa Senhora

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Certo dia, quando São Bernardo se dirigia para a corte do Conde Teobaldo, deparou-se-lhe um grupo de soldados que conduziam um prisioneiro ao cadafalso, para enforcá-lo.

Vendo a cena, apoderou-se S. Bernardo da corda com que era conduzido o condenado, e fez esta estranha proposta aos verdugos:

— Entregai-me este criminoso, e executá-lo-ei com as minhas próprias mãos.

Naquele momento aproximou-se o conde. O seu espanto foi profundo ao ver o Santo, a quem estimava como pai, entre o assassino e os oficiais da justiça. Ficou perplexo ao escutar a petição do amigo:

— Venerável pai, que significa isto? Por que pretendeis salvar a vida de um homicida que merece a morte centenas de vezes? É um incorrigível filho de Satanás, e o melhor serviço que podemos prestar-lhe é privá-lo da vida. Os interesses da sociedade exigem a sua morte.

— Sei que este homem é merecedor da morte, e não tenciono deixá-lo partir sem punição. Ao contrário, quero submetê-lo a um castigo severo e perpétuo. Vós o suspenderíeis no cadafalso, onde em breve escaparia ao vosso poder, mas eu o amarrarei a uma cruz, onde sofrerá muitos anos.

Não formulando Teobaldo objeções, Bernardo colocou seu capuz sobre o malfeitor, ao qual deu o nome de Constantino, levando-o para o convento.

Após trinta anos de severas penitências, o bem-aventurado Constantino morreu, sendo sua festa no dia 16 de março.


(Autor: Ailbe Luddy, "Bernardo de Claraval")


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