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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
“Em nome de Deus todo poderoso, eu, João, senhor de Joinville, senescal de Champagne, faço escrever a vida de nosso São Luís, e aquilo que eu vi e ouvi pelo espaço de seis anos que estive em sua companhia, na viagem de ultramar e depois que voltamos.
“E antes de que vos conte seus grandes feitos e sua cavalaria, contar-vos-ei o que vi e ouvi de suas santas palavras e bons ensinamentos, para que se achem aqui numa ordem conveniente, a fim de edificar os que os ouvirem.
“Esse santo homem amou Deus de todo o seu coração e agiu em conformidade com esse amor.
“Pareceu-lhe bem que, assim como Deus morreu pelo amor que tinha ao Seu povo, assim o rei colocou seu corpo em aventura de morte, o que bem poderia ter evitado se tivesse querido, como se verá a seguir.
“O amor que tinha a seu povo transpareceu no que ele disse a seu filho primogênito, durante a grande doença que teve em Fontainebleau:
“Bom filho, disse-lhe, peço-te que te faças amar pelo povo do teu reino, pois verdadeiramente eu preferiria que um escocês viesse da Escócia e governasse o povo do reino bem e lealmente, a que tu o governasses mal”.
“Amou tanto a verdade que não quis recusar, mesmo aos sarracenos, o que tinha prometido, como o vereis mais adiante.

“Foi moderado em suas palavras, pois jamais em minha vida o ouvi falar mal de ninguém, e nunca o ouvi nomear o diabo - cujo nome está tão espalhado pelo reino, o que acredito não agrada nada a Deus.
“Ele diluía seu vinho na proporção em que via que o vinho lhe poderia fazer mal.
“Perguntou-me um dia, na ilha de Chipre, por que eu não colocava água no meu vinho, e eu lhe disse que os médicos m’o ordenavam, dizendo-me que eu tinha uma cabeça grande e um estômago frio, e que não podia me embriagar.
“E o rei disse-me que eles me enganavam, porque se eu não diluía o vinho na minha mocidade e quisesse fazê-lo na velhice, a gota e os males do estômago tomariam conta de mim, e nunca teria saúde, e que se eu bebesse o vinho totalmente puro na minha velhice, eu me embriagaria todos os dias, e que isso era uma coisa muito vil para um valente homem, o embriagar-se.

“Ele chamou-me uma vez e me disse:
“Não ouso falar-vos, por causa do espírito subtil de que estais dotado, de coisa que se refira a Deus; e por isso chamei os irmãos que estão aqui, pois quero fazer-vos uma pergunta”.
“A pergunta foi esta: “Senescal, disse, quem é Deus?” e eu respondi:
“É tão boa coisa como melhor não pode ser”.
“Verdadeiramente, continuou o rei, está bem respondido, porque essa resposta que destes está escrita neste livro que tenho em mãos.
“Agora, pergunto-vos, disse, o que preferiríeis: ser leproso ou ter cometido um pecado mortal?”.
“E eu, que nunca lhe menti, respondi que preferiria ter cometido trinta pecados que ser leproso.

“Falais sem reflexão, como um avoado; porque não há lepra tão vil como a do estar em pecado mortal, porque a alma que nele está, é semelhante ao demônio do inferno.
“É por isso que nenhuma lepra pode ser tão má.
“E é verdade que quando o homem morre, fica curado da lepra do corpo; mas quando o homem que cometeu o pecado mortal morre, não sabe e não é certo que tenha tido um tal arrependimento que Deus o tenha perdoado.
“Deve ter muito grande temor de que essa lepra lhe dure tanto tempo quanto Deus estiver no paraíso.
“Assim, rogo-vos, acrescentou ele, tanto quanto eu possa, que tomeis mais a peito, pelo amor de Deus e de mim, o preferir que todo mal de lepra e toda outra doença chegue a vosso corpo, antes que o pecado mortal chegue a vossa alma”.
“O rei amou tanto toda espécie de pessoas que crêem em Deus e O amam, que deu a dignidade de condestável de França a monseigneur Gilles Lebrun, que não era do reino de França, porque ele tinha grande reputação de crer em Deus e de amá-lo. E eu creio verdadeiramente que assim foi.
“A lealdade do rei mostrou-se bem no caso de monseigneur de Trie, que remeteu ao santo rei cartas, as quais diziam que o rei tinha dado aos herdeiros da condessa de Boulogne, recentemente falecida, o condado de Dammartin.

“Dissemos todos unanimemente que ele não estava em nada compelido a pôr as cartas em execução; e então disse a Jean Sarrasin, seu chambellin, que lhe entregasse a carta que lhe tinha encomendado.
“Quando recebeu a carta: “Senhores, disse-nos, eis o selo de que eu me servia antes de que fosse a ultramar, e vê-se claramente por este selo que o sinete do selo quebrado é semelhante ao selo inteiro.
“É por isso que não ousaria, em sã consciência, reter o dito condado”.
“E então chamou monseigneur Renaud de Trie e disse-lhe: “Eu vos entrego o condado”.
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