terça-feira, 20 de agosto de 2019

São Remígio (I): converteu os bárbaros francos

Máscara mortuória de um rei merovíngio
Máscara mortuória de um rei merovíngio
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Durante as invasões dos bárbaros na Europa, no século V, a Gália romana apresentava todos os sintomas de decadência, próprios ao fim de uma era histórica.

O Império Romano agonizava, e a Igreja, por meio de grandes santos, lutava para converter os bárbaros invasores, atraindo-os para seu seio. São Remígio foi um de seus principais apóstolos.

Nascido por volta do ano 436, filho de Santa Celina e de Emílio, conde de Laon, senhor de extraordinário mérito, era irmão de São Princípio, que foi bispo de Soissons.

Os primeiros biógrafos e contemporâneos de São Remígio afirmam que seu nascimento foi predito por São Montano, solitário de vida ascética entregue à contemplação.

Certa noite, pedindo com mais insistência a Deus Nosso Senhor que desse remédio à malícia e indiferença daqueles conturbados tempos, foi-lhe revelado que logo nasceria um varão, o qual, por sua santidade de vida, obteria a conversão dos gauleses e de seus invasores.



Arcebispo de Reims contra a vontade

Desde pequeno Remígio sobressaiu-se por uma extraordinária aptidão para a virtude e para a ciência. Fez tão rápidos progressos na perfeição e nos estudos que, falecendo o arcebispo de Reims, clero e povo o aclamaram como seu sucessor, apesar de ter somente 22 anos de idade.

São Remígio converteu e batizou ao rei Clóvis
De nenhum modo o jovem queria aceitar tamanha responsabilidade, alegando com razão que isso contrariava os cânones sagrados, que estipulavam a idade mínima de 30 anos para o episcopado.

A discussão foi longe. E ainda se discutia quando um raio de luz, vindo do céu, iluminou-lhe o rosto, o que confirmou clero e povo na sua determinação, agora com o beneplácito divino. Remígio deu-se por vencido.

Seus biógrafos ressaltam que era tanta sua virtude, maturidade de espírito e ciência, que ele principiou seu episcopado como o mais experimentado dos bispos.

Diz um deles, Venâncio Fortunato, que Remígio era “largo em suas esmolas, profundamente humano, assíduo em velar, constante e devoto em rezar, perfeito na caridade, insigne na doutrina, sempre preparado para falar das coisas mais altas e divinas”.(1)

Atraía a todos pela bondade de seu coração, e mesmo as aves do céu vinham pousar em seus ombros e em suas mãos.

São Remígio e os bárbaros francos

O grande acontecimento do episcopado de São Remígio foi a conversão de Clóvis, quinto rei dos bárbaros francos. Este povo, saindo das planícies da Holanda, dirigiu-se para o sul, apoderando-se das melhores partes dos Países Baixos, da Picardia e da Ilha-de-França.

Clóvis tornara-se rei ainda adolescente, entre os 14 e 15 anos, já como grande guerreiro, valoroso e audaz.

Tendo ele se estabelecido como rei na antiga Gália romana, que conquistara, São Remígio enviou-lhe uma carta na qual dizia:

“Um grande rumor nos chegou: diz-se que tu acabas de tomar as rédeas do governo de nossa nação.

“Não surpreende que sejas tu o que foram teus pais. Mas vela para que nunca te abandone o juízo de Deus, a fim de que, por teus méritos, logres conservar esse posto que conquistaste por tua indústria e nobreza, porque, como diz o vulgo, os atos do homem se provam por seu fim.

“Rodeia-te de conselheiros que saibam acrescentar tua honra. Sê casto e honesto; honra os sacerdotes e atende a seus conselhos, pois se vives em harmonia com eles, darás o bem-estar ao país.

“Consola os aflitos, protege as viúvas, alimenta os órfãos, faze com que todo mundo te ame e te tema. De teus lábios saia a voz da justiça, deixa aberta a todo mundo a porta de tua presença.

“Joga com os jovens, posto que és jovem, mas aconselha-te com os anciãos. E se queres reinar, mostra-te digno disso”.(2)

Embora sendo ainda pagão, Clóvis não perseguia os cristãos e tinha respeito pelos bispos e sacerdotes das cidades que submetia a seu domínio.

Cada santo é chamado a refletir de modo particular alguma das perfeições de Deus. Assim, uns se notabilizam pela fortaleza, outros pela lógica, outros pela extremada pureza.

São Remígio espelhou de modo admirável a bondade de Deus. Despido do menor vestígio de egoísmo, alegrava-se verdadeiramente com o bem do próximo.

Seu rosto espelhava a bondade do coração, e ele atraía a todos por sua afabilidade e bom trato. Isto foi uma das coisas que mais impressionaram o bárbaro Clóvis logo que o conheceu, fazendo-o admirar tanto São Remígio.

O conhecido episódio de Soissons mostra, embora com métodos bárbaros, o quanto Clóvis considerava o santo arcebispo.

O batismo de Clóvis, Reims, junto à basílica túmulo de São Remígio
O batismo de Clóvis, Reims, junto à basílica túmulo de São Remígio
Seus soldados pagãos haviam pilhado uma igreja dessa cidade, levando ornamentos e vasos sagrados. São Remígio lamentou sobretudo um cálice de prata, finamente cinzelado, e pediu a Clóvis que, se possível, o desse de volta.

Na hora da repartição dos despojos, o rei pediu como um favor que não se lançasse a sorte sobre esse cálice, mas que o dessem a ele.

Todos concordaram, menos um soldado mais bárbaro, que com um golpe de acha o danificou, dizendo insolentemente ao rei que ele não o teria mais que os outros. Clóvis dissimulou seu desprazer como pôde.

Dias mais tarde, fazendo a revista de sua tropa, chegou-se diante do insolente e, sob pretexto de que suas armas não estavam em ordem, as lançou por terra.

Deu-lhe então potente golpe de acha na cabeça, matando-o, ao mesmo tempo em que dizia: “Assim fizeste com o cálice de Soissons”.

Logo que esse grande conquistador subjugou a Turíngia, no décimo ano de seu reino, desposou Clotilde, filha de Chilperico, irmão do rei da Borgonha.

Esta era católica exemplar, e foi posteriormente elevada à honra dos altares.(3) Instava muito para que seu marido se convertesse.

Prometendo sempre que o faria, Clovis no entanto adiava sua conversão para um futuro incerto.


(Fonte: Plinio Maria Solimeo , in “Catolicismo”, outubro de 2009) 


continua no próximo post: São Remígio (II): batizou a França “filha primogênita da Igreja”



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2 comentários:

  1. É sempre bom poder ler sobre a Idade Média, os tempos áureos da fé cristã.

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  2. Obrigado pelo conteúdo histórico. Uma boa noite.

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