Sagração real de Balduíno IV |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Continuação do post anterior: “Possamos venerar Balduíno IV nos altares!”: Missa de réquiem em Paris 830 anos depois.
“O segundo inimigo contra o qual Balduíno teve que lutar foi a sua Corte e, nela, especialmente sua parentela.
“Se ele ao menos pudesse apoiar-se em fiéis excepcionais como o arcebispo e o cronista Guilherme de Tiro, o marechal Onfroy de Toron ou o conde Raimundo de Trípoli!
“Mas todos cobiçavam sua sucessão sem medir o peso que a mesma implicava, faziam complô e acabaram apressando o fim do monarca.
“Não foram necessários dois anos para que as intrigas levassem a regência à ruína e o reino caísse sob os golpes dos turcos.
“Nisso consistiu a funesta Batalha de Hattin. À ambição de alguns se acrescentou a vaidade de outros, enquanto na Europa, de onde a ajuda poderia vir, a indolência atiçada por rivalidades dinásticas paralisava príncipes e reis.
“Ao longo de seu reinado, Balduíno sempre foi decepcionado por aqueles que deveriam ter sido seus maiores sustentáculos.
“Com paciência, abnegação e muita dificuldade, ele se esforçou para reconciliá-los e mobilizá-los ao serviço do bem comum.
“Pois ele lutava a cada momento contra um terceiro inimigo, ainda mais íntimo: a lepra, que apodrecia seu corpo, apresentada na Bíblia como símbolo do pecado que desfigura a alma.
“Lepra: a doença que destruindo as terminações nervosas torna o corpo insensível, mas que também, devido ao horror e às enfermidades que provoca, também tran
spassa o coração de dor.
Missa de réquiem em St-Eugene Ste-Cecile pelo rei Luís XVI, da França |
“Tanto mais quanto Balduíno tinha tudo em favor de si: era belo, inteligente, corajoso, excelente cavaleiro, um cavalheiro completo.
“Prostrado pelos assaltos progressivos desse mal incurável, ele oferecia um exemplo admirável de equilíbrio emocional e de abnegação, esquecendo-se de si mesmo para se entregar totalmente ao serviço do reino que a Providência lhe confiou.
“Foi nesse momento que se manifestou sua grandeza, e é preciso sublinhá-lo: uma grandeza sobrenatural!
“Entre os choques das ambições, da violência e da luxúria, sob o Sinal da Cruz esse filho místico não só realizou à perfeição a figura do príncipe de acordo com o Evangelho.
“Na provação da doença, na angústia solitária e na morte precoce, ele também foi um Cristo de dores coroado de ouro e de espinhos” (Pierre-Henri Simon, Discurso de recepção na Academia Francesa).
“Cristo de dores coroado de ouro e de espinhos”!
“Sim, Balduíno aceitou carregar em sua própria carne o peso dos pecados do mesmo modo como Cristo também o padeceu de modo muito real em sua carne.
“Balduíno é uma figura crística eminente, como haveria de o ser um século depois outro rei que se tornou um peregrino do Absoluto, roído por febres e morrendo deitado sobre cinzas em frente dos muros de Túnis: São Luís.
“Então, no momento de cantar o absoluto, é necessário rezar por ele? Não é mais adequado pedir-lhe que interceda por nós?
“Para que interceda pelo Médio Oriente, ao qual ele dedicou sua existência, e pela Europa, da qual ele descendia?
Balduíno IV passa a coroa a seu sobrinho Guy de Lusignan entre as intrigas da Corte |
“Ele lutou lealmente com armas contra seus inimigos, mas ao mesmo tempo os muçulmanos que se estabeleceram em seu reino confessaram preferir estar sob a Cruz que sob o Crescente.
“Pois ele era ao mesmo tempo justo e misericordioso, forte e corajoso.
“Nós sabemos hoje que o mundo islâmico não ganhará nada com o desaparecimento dos cristãos do Oriente. Seu humanismo aperfeiçoado pelo Evangelho é uma promessa de paz e de reconciliação para todos os que vivem nessa região.
“A continuação a Europa, nestes dias em que a nobreza da alma desertou dos palácios disputados por todos aqueles que estão morrendo de fome pelo poder.
“Vendo esses exemplos, lamentamos com desgarradora dor o tempo dos líderes com almas profundamente cristãs que se levantavam para aglutinar em torno de si os melhores e para impor respeito à matilha dos medíocres.
“Há hoje alguns que se pavoneiam à frente de nossas instituições, quando certamente não equivaleriam sequer ao serviçal que limpou o capacete do rei na manhã de Montgisard!
“A veleidade sempre existiu, mas ela deveria reconhecer pelo menos sua inferioridade diante de tais exemplos de luz.
“Uma luz toda interior, mas por isso muito mais deslumbrante, uma luz que nasceu das trevas da Sexta-feira Santa, uma luz que fortalece os corações puros e confunde os ímpios, uma luz tão contrária aos incêndios de um mundo fanático e grosseiro, ávido de poder e fascinado pela riqueza da vítima que ataca.
“Uma luz que se opõe aos fogos fátuos do mundo materialista, afogado em sua riqueza e em seu vazio existencial.
“Balduíno nos traz à memória as palavras do Profeta Samuel ao jovem Davi: “O olhar de Deus não é como o dos homens, pois o homem olha para a aparência, mas o Senhor olha para o coração” [2 Salmos 16, 7].
“Sua alma foi agradável ao Senhor, por isso ele se apressou a sair logo do meio da perversidade”. |
“Hoje o moribundo, amanhã os deficientes e, por que não, depois de amanhã aqueles cuja mente não está em conformidade com o pensamento dominante.
“Não! A dignidade do homem não está na aparência do corpo, está na pureza do coração.
“Balduíno, o leproso, rei de Jerusalém, atravessou as sombrias tempestades da História como um astro de luz. De uma luz no meio das trevas cujo mistério apenas a fé pode decifrar.
“Tendo atingido em pouco tempo a perfeição, percorreu uma longa carreira. Sua alma foi agradável ao Senhor, por isso ele se apressou a sair logo do meio da perversidade”.
E o Livro da Sabedoria continua: “As multidões veem sem entender. O justo que morre condena os ímpios que vivem, e a juventude rapidamente consumada condena a longa velhice do injusto” [Sabedoria 4, 13-16].
“Nos dias em que a Igreja nos exorta a seguir mais de perto a Cristo, o exemplo de Balduíno, identificado até mesmo em sua carne com a Paixão de seu Mestre, nos convoca à força de alma, à inteligência política, a penetrar e assimilar o mistério do Salvador.
“Que nos seja dado um dia venerá-lo no alto dos altares!”
(Fonte: Le Rouge et Le Noire, 16/3/2015)
Missa de réquiem por Balduíno IV, Paris, 2015
A batalha de Montgisard
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