quarta-feira, 13 de agosto de 2014

São Bonifácio, Apóstolo da Alemanha

São Bonifácio, estátua em Mainz, Alemanha

Plinio Maria Solimeo
 
“Passara-se apenas um século desde que os discípulos de São Gregório Magno haviam desembarcado na Inglaterra, e já a ilha dos piratas convertera-se em ‘ilha dos santos’. Havia santos reis, virgens inflamadas no amor de Cristo, ascetas que deixavam atrás os solitários da Tebaida, sábios monges e figuras magníficas de bispos. Havia, sobretudo, apóstolos. O fogo do apostolado consumia os novos convertidos, e os empurrava longe de sua terra”.(1) 
São Bonifácio foi uma dessas almas de fogo cujo espírito apostólico o levou a deixar a Inglaterra para tornar-se o Apóstolo da Alemanha.

Winfrido, nome que recebeu no batismo, nasceu por volta do ano de 680 em Kirton, no Devonshire (Inglaterra). Seus pais eram de origem saxônica e desfrutavam de boa posição social. Não sabemos se tiveram outros filhos.

Quando Winfrido contava apenas cinco anos de idade, viu na casa paterna alguns religiosos que pregavam na região. Pediu então ao pai licença para segui-los ao seu mosteiro.

Tomando o pedido como fantasia de criança, o pai não deu ouvidos. Acontece que Winfrido levava a coisa a sério e continuava a insistir com o pai. Este, atacado por repentina doença que o pôs às portas da morte, viu finalmente nisso a mão de Deus, que o castigava por sua negativa ao filho.


Mandou então o menino aos sete anos de idade – o que não era raro na época – como interno para o mosteiro beneditino de Adescancastre, hoje Exeter. Lá ele passou 13 anos, após os quais foi transferido para o mosteiro de Nursling, na diocese de Winchester.
“Aí, levando uma vida austera e estudiosa sob a direção do abade Winbert, ele fez rapidamente progressos na santidade e no saber, sobressaindo-se especialmente num profundo conhecimento das Escrituras, o qual ele evidencia em suas cartas. Era também bem versado em história, gramática, retórica e poesia”.(2)

Aos 30 anos foi ordenado sacerdote.

Winfrido tornou-se professor famoso, sendo também ótimo monge. Por isso seus irmãos de hábito o escolheram para seu abade.

Entretanto, apesar da possibilidade de fazer uma grande carreira, angariando as mais altas dignidades em seu próprio país, ele não visava as glórias humanas; queria levar a luz da fé aos seus antepassados saxões da Alemanha.

Depois de vários pedidos ao seu superior, obteve finalmente a permissão de seguir seu chamado.

Homem estuante de piedoso zelo
“Piedosos desejos de teu zelo inflamado em Cristo”
“Havia então duas Alemanhas: a Germânia ‘bárbara’, formada pela Frísia e pela Saxônia; e a Germânia ‘romana’, englobando a Renânia, a Turíngia, a Baviera, a Vestefália, o Vurtemberg e o Hesse. A primeira tinha ficado pagã; a segunda, exceto em alguns locais, tinha também voltado a ser” (3) por falta de missionários que mantivessem acesa a luz da fé.

Foi em 716 que Winfrido chegou a Utrech, na Frísia (agora província de Friesland, na Holanda). Essa região já havia sido evangelizada pelos santos ingleses Wigbert, Willibrord, e outros.

Mas o duque Radbod, pagão convicto, perseguia os cristãos, o que tornavam inúteis os trabalhos de Winfrido, que voltou então para a Inglaterra.

Três anos depois, munido de cartas de recomendação do bispo de Winchester, o missionário partiu para Roma, onde foi benevolamente recebido pelo papa Gregório II.

No dia 15 de maio de 719, após haver testado sua fé, sua virtude e sua pureza de intenção, o Papa nomeou-o missionário apostólico, e deu-lhe uma carta na qual dizia:
“Os piedosos desejos de teu zelo inflamado em Cristo, e as provas que me deste de tua fé, exigem que te chamemos a participar de nosso ministério para a dispensação da palavra divina. Sabendo que, desde a infância, estudaste as Sagradas Letras, te ordenamos que leves o reino de Deus a todas as nações infiéis que encontres em teu caminho, e que, no espírito de virtude, de amor e de sobriedade, derrames nas almas incultas a pregação dos dois Testamentos”.(4)

O Pontífice deu-lhe também cartas de recomendação para os príncipes cristãos que encontrasse no caminho.

Gregório II denominou-o Bonifácio

De volta à Alemanha, passando pela Baviera, Winfrido chegou até a Turíngia, onde reformou alguns membros do clero que tinham caído em sérios desregramentos de costumes. Sabendo então da morte do duque Radbod, resolveu voltar à Frigia, pondo-se às ordens de São Willibrord.

Este, sentindo-se já muito idoso, quis torná-lo seu coadjutor. Mas ele se opôs, alegando que tinha ido para trabalhar como missionário.

Três anos depois, Winfrido percorreu de novo a Turíngia e o Hesse, que as armas de Carlos Martel lhe haviam aberto.

Em 723 foi novamente a Roma, a fim de apresentar ao Papa o fruto de seus labores e consultá-lo sobre as dificuldades que haviam surgido em sua missão. Gregório II consagrou-o então bispo de todas as terras setentrionais.

Foi nessa ocasião que, segundo a maioria dos historiadores, o Sumo Pontífice mudou seu nome para Bonifácio.(5)

Abate-se um falso deus, o carvalho de Tor

São Bonifácio derruba a árvore estultamente cultuada pelos pagãos
Voltando para seu campo de batalha, São Bonifácio resolveu dar um golpe de morte no paganismo derrubando o “carvalho de Tor”, um enorme carvalho que se alçava no meio do campo de Geismar e que era venerado como deus pelos pagãos da região.

Os idólatras ameaçavam massacrar o missionário, mas este não se atemorizou: aos primeiros golpes de machado, um violento vendaval arrancou a árvore até às raízes. Muitos dos que presenciaram o fato se converteram.

São Bonifácio fez construir no local uma capela com a madeira do ídolo abatido, que foi a primeira igreja na região.

O número dos fiéis aumentava, novas igrejas surgiam, acudiam catecúmenos e o missionário começou a sentir necessidade de outros colaboradores.

Dirigindo seu olhar para a Inglaterra, escreveu a bispos, abades e abadessas, comunicando sua penúria e a insuficiência de sacerdotes para atender a todo seu apostolado.

Pediu também ornamentos sacerdotais, sinos e livros. Os mosteiros anglo-saxões responderam com grande generosidade, e aos poucos chegaram muitos discípulos entusiasmados com o trabalho apostólico.

Vieram também algumas mulheres, virgens e viúvas, para tomar parte no labor. São Bonifácio colocou-as à frente dos novos mosteiros femininos que havia fundado.

Entretanto, não bastava converter aquele povo, sempre disposto a voltar para seus falsos deuses; era preciso arrancar de seu coração as raízes do paganismo.

Para isto São Bonifácio organizou uma hierarquia episcopal, enviou seus discípulos a várias regiões e fundou os grandes mosteiros, que deveriam ser
“núcleos de vida estável e civilizada, refúgio dos operários evangélicos, focos de cultura, granjas agrícolas, pontos estratégicos daquela conquista espiritual, sementeiras, escolas e organismos industriais”.(6)

Simplicidade e muita eloquência

São Bonifácio era sumamente eloquente em sua simplicidade. Com poucas palavras, resumia com clareza os mistérios cristãos. Pelo que dizia aos recém-batizados, percebemos quais eram os problemas que enfrentava:
“Escutai, meus irmãos, e meditai atentamente no que acabais de abjurar no batismo. Haveis renunciado ao demônio, às suas obras e às suas pompas. Quais são as obras do demônio?

“São o orgulho, a idolatria, o homicídio, a calúnia, o ódio, o perjúrio, a fornicação, o adultério e tudo o que mancha o homem. São o roubo, a embriaguez, o falso testemunho, as palavras vergonhosas, as querelas; são os sortilégios, as feitiçarias, a crença nos magos, nos homens lobos e no poder dos amuletos”.(7)

No ano de 738 São Bonifácio fez sua terceira viagem a Roma, a fim de conferir seu trabalho com o Papa. Desta vez foi acompanhado por uma multidão de francos, bávaros e anglo-saxões, que não quiseram separar-se dele.

Gregório II havia falecido e subira ao trono pontifício Gregório III, que o acolheu com bondade dando-lhe amplos poderes e cartas para os príncipes e bispos em seu campo de apostolado. Deu-lhe também faculdade para reformar, organizar e reconstituir a hierarquia nas terras sujeitas aos francos.
São Bonifácio “começa sua obra com a mesma atividade que exerceu quando tinha 30 anos. Passa da Franconia à Baviera, da Austrásia à Neustria: reúne concílios em Septines, em Soissons, em Salzburgo. Cria novas províncias eclesiásticas; depõe bispos em concubinato, degrada sacerdotes intrusos, proíbe aos clérigos o traje laico, a companhia de mulheres, o uso de armas, das matilhas e dos falcões.”(8)

Em 747 o Papa Zacarias – que havia sucedido a Gregório III – nomeia-o arcebispo de Mainz, Primaz de toda a Alemanha e legado pontifício na Germânia e nas Gálias.

Martírio de São Bonifácio
Nessa qualidade, em 752, ele sagra Pepino, o Breve como rei dos Francos, dando assim origem à dinastia dos Carolíngios, denominação esta que provém do filho desse rei, o grande Carlos Magno.

Evangelizador e apóstolo completo

Finalmente, no ano de 754, São Bonifácio deveria promover o crisma de grande número de conversos perto da cidade de Dockum, nas margens do rio Burda. Haviam construído um pavilhão na campina, onde estava o altar com todo o necessário para o crisma e a celebração do Santo Sacrifício.

Entretanto, além dos catecúmenos, começaram a aparecer guerreiros pagãos armados de lanças e escudos. Em determinado momento estes se precipitaram sobre os cristãos, que estavam desarmados, matando muitos deles sem piedade.

São Bonifácio estava com um livro dos Evangelhos nas mãos quando foi martirizado. Embora os infiéis tenham perfurado o livro com uma lança, não danificaram uma só letra, o que foi considerado milagroso.

Os bárbaros se precipitaram depois nas tendas, mas em vez de ouro ou prata, encontraram apenas relíquias, livros e o vinho reservado para a Missa.

Irritados com a esterilidade de sua pilhagem, embebedaram-se e começaram a lutar entre si. Então os cristãos que restaram se armaram e exterminaram esses pagãos homicidas.
“São Bonifácio é apóstolo completo: não lhe faltou nem o heroísmo do mártir, nem a intrepidez do missionário, nem a grandeza do bispo, nem a força dos milagres e da palavra, nem a bela auréola da graça e da bondade, que soube adaptar-se à sua época para dominá-la e torná-la cristã”.(9)
Notas:
1. Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B.,Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo II, p. 539.
2. Francis Mershman, St. Boniface, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
3. Pe. José Leite, S.J., São Bonifácio, Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo II, p. 184.
4. Urbel, op. cit. P. 540.
5. Cfr. Compton’s Encyclopedia 2000, CD Rom edition.
6. Urbel, op. cit. p. 544.
7. Id., p. 545.
8. Id., p. 546.
9. Pe. José Leite, op. cit. pp. 185-186.


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