Jean Parisot de La Valette, Grão Mestre da Ordem de Malta durante o Grande Cerco turco. Antoine de Favray (1706 – 1798). |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
continuação do post anterior: O Grande Cerco de Malta (1)
A incrível resistência dos cavaleiros em Malta não pode ser compreendida sem focalizarmos aquele que foi seu próprio artífice: Jean Parisot de La Valette.
Com seus 70 anos, La Valette ainda mantinha a força e a determinação da juventude. Sob o manto da Ordem de São João, considerava como ideal de vida a defesa da civilização cristã e a luta contra o Império Turco.
Já havia experimentado os horrores da escravidão aos turcos, mas fora libertado em uma troca de prisioneiros.
Havia também participado ativamente do cerco de Rodes. Era mestre em todas as táticas de guerra, nas lides do mar e nos armamentos da época.
La Valette, eleito Grão-mestre da ordem em 1557, organizou em Malta a construção de novos bastiões com poderosas muralhas e canhões.
A defesa da ilha foi dividida em três fortes dispostos nas encostas da chamada Baía Grande.
O forte Santo Ângelo dominava a ponta da península de Birgu, através da qual se estendia a cidadela. Na base da outra península, Senglea, erguia-se o Forte São Miguel.
Do outro lado da Baía Grande, voltado para o mar aberto, o solitário Forte Santo Elmo, possuindo forma semelhante a uma estrela, era o primeiro oponente a qualquer invasor.
Os cavaleiros de Cristo eram também excelentes atiradores, numa época em que as armas de fogo, os arcabuzes, já começavam a dominar os campos de batalha.
Estima-se o número de defensores entre 600 a 700 cavaleiros da Ordem, três a quatro mil soldados de infantaria espanhóis, além de civis malteses, voluntários dedicados, mas mal treinados. Com esse contingente, La Valette iria enfrentar o poderio turco, dez vezes maior.
O Grão-mestre comunicou aos seus homens que haveriam de suportar a investida principal do Império Otomano e de empreender o combate da Cruz contra o Crescente, para alcançar uma glória imortal e o Céu. Todos receberam a santa comunhão e juraram consagrar suas vidas à nobre causa.
Epopeia do forte de Santo Elmo
Piali decidiu ancorar a frota turca ao norte das defesas cristãs. Isso significava que os otomanos teriam primeiro de conquistar o pequeno baluarte de Santo Elmo.
Aparentemente, o solitário forte era de menor importância estratégica. Mas La Valette não ignorava seu papel. A fortaleza deveria resistir até o último homem.
Quanto mais ela detivesse os invasores, mais tempo haveria para o incremento das defesas das outras fortalezas. Além disso, uma força de resgate já havia sido prometida pelo vice-rei da Sicília. Santo Elmo tinha a missão de retardar ao máximo o cerco para manter acesa a esperança da vitória.
Os canhões turcos foram postos em terra e apontados para Santo Elmo. A 25 de maio, iniciou-se o bombardeio.
À medida que os enormes projéteis atingiam as muralhas, elas iam se esboroando e levantando nuvens de poeira. Um cronista contemporâneo descreveu Santo Elmo como “um vulcão em erupção, cuspindo fogo e fumaça”.
Os canhões só silenciaram após alguns dias. Então, os turcos se atiraram impetuosamente contra Santo Elmo. A pequena guarnição de uma centena de cavaleiros e outros 400 soldados não parecia em condições de resistir à avalanche de guerreiros do Islã que saltavam sobre as brechas e muralhas.
A batalha durou da madrugada até o meio-dia. Mustafá enviava ondas de atacantes, uma após outra, contra as muralhas incendiadas de Santo Elmo.
Os infiéis eram alvejados em grande quantidade pelos tiros certeiros dos cristãos e pela chuva de fogo-grego, pedras e artefatos. No fim do dia, 2.500 soldados turcos jaziam mortos e o forte ainda resistia, em meio a um mar de chamas e fumaça.
Os ataques continuaram ainda por semanas. O que parecia impossível acontecia: o minúsculo Santo Elmo suportava o peso de todo o poder turco. Exemplo admirável do heroísmo católico, poucas vezes igualado na História.
Nos fins de junho, Santo Elmo estava em frangalhos e os defensores, no limite da resistência. La Valette continuamente mandava reforços a partir de Santo Ângelo, do outro lado da baía.
Uma carta foi enviada de Santo Elmo a La Valette implorando que os últimos defensores pudessem recuar para Santo Ângelo: seria inútil permanecer lá, esperando a morte certa!
La Valette respondeu que se não havia mais cavaleiros valentes para defender o forte, eles poderiam se retirar.
O grão-mestre enviaria homens a quem pudesse confiar Santo Elmo. Os defensores, envergonhados com a proposta, decidiram permanecer e morrer em defesa do forte.
Os turcos montaram baterias para impedir os socorros vindos de Santo Ângelo. Ninguém mais podia atravessar a baía e ajudar Santo Elmo. O pequeno forte estava só, mas o moral dos defensores era alto.
A 23 de junho, os turcos atacaram mais uma vez. Os poucos cavaleiros moribundos ainda resistiram por quatro horas. Mas o fim havia chegado para o heroico Santo Elmo. A bandeira do Crescente turco foi erguida nos restos das muralhas.
Santo Elmo caiu. Contudo, o preço foi muito alto para os invasores. O cerco, que deveria ter durado apenas uma semana, se estendeu por um mês. Oito mil soldados turcos pereceram. E mais do que tudo, as tropas e os próprios chefes muçulmanos estavam desanimados.
Mustafá, olhando para figura imponente e ameaçadora do forte Santo Ângelo, situado no outro lado da baía, não pode conter essa exclamação: “Quanto nos custará o pai, sendo que pagamos tão caro pelo filho?”.
(Autor: Paulo Henrique Américo de Araújo, in CATOLICISMO, agosto e outubro 2014)
continua no próximo post: O acordo impossível
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