terça-feira, 15 de novembro de 2022

Gerard d’Avesnes: herói até o holocausto comove muçulmanos

Ruínas da fortaleza de Arsur
Ruínas da fortaleza de Arsur
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Após a conquista de Jerusalém, na primeira Cruzada, os principais chefes cristãos escolheram rei o Duque de Lorena, Godofredo de Bouillon.

Era um cavaleiro intrépido, famoso pela sua coragem, e a quem mais se devia a vitória.

Quando lhe perguntavam de onde vinha a força para cortar um homem ao meio só com um golpe, ele dizia que suas mãos nunca se tinham manchado com pecados de impureza.

Ao ser eleito rei de Jerusalém, recusou dizendo que “não queria ser coroado com ouro onde Jesus o fora com espinhos”.

Aceitou somente o título de Barão e Defensor do Santo Sepulcro.

A cidade muçulmana de Arsur se rebelou. O exército cristão veio então cercá-la com torres rolantes e aríetes.

Os muçulmanos, percebendo que teriam de capitular, tomaram um refém, Gerard d’Avesnes, e o amarraram a um mastro no alto das muralhas.

Assim o cavaleiro seria morto pelas armas cristãs, ou, se o cerco continuasse, pelo sofrimento.

O heroísmo de Gerard d’Avesnes tocou até os muçulmanos
O heroísmo de Gerard d’Avesnes tocou até os muçulmanos
O Duque de Lorena aproximou-se então do lugar do suplício, e disse ao cavaleiro:

“Eu não vos posso salvar. Morrei, pois, ilustre e bravo cavaleiro, com a resignação de um herói cristão. Morrei para a salvação dos vossos irmãos e para a glória de Jesus Cristo”.

As palavras de Godofredo deram ânimo a Gerard d’Avesnes, não só para morrer, mas para mais ainda: quis, mesmo depois de morto, continuar de algum modo a luta pela causa da Igreja.

Para isto recomendou que suas armas e seu cavalo fossem entregues ao Santo Sepulcro.

A batalha continuou, mas Godofredo de Bouillon não conseguiu tomar a cidade.

Pareceu então que Deus não recompensara a generosidade tão grande de seus filhos, e que o sacrifício de Gerard d’Avesnes fora infrutífero.

Um dia, porém, Gerard d’Avesnes entrou em Jerusalém montado num belíssimo cavalo branco.

Impressionados pelo heroísmo de Godofredo de Bouillon e do supliciado, os muçulmanos haviam-no retirado do madeiro, e mais tarde o libertaram.

Deus, que nunca abandona seus filhos e não se deixa vencer em generosidade, tinha conseguido mover o coração dos infiéis, fazendo-os reconhecer com admiração a grandeza dos cristãos.




GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS ORAÇÕES CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

terça-feira, 1 de novembro de 2022

São João de Capistrano: pregador de Cruzada, János Hunyadi e o cerco de Belgrado - 2

São João de Capistrano na batalha de Belgrado. Igreja dos Bernardinos, Cracóvia.
São João de Capistrano na batalha de Belgrado.
Igreja dos Bernardinos, Cracóvia.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Continuação do post anterior: János Hunyadi e o cerco de Belgrado - 1



As notícias dos colossais preparativos logo chegaram ao sucessor de São Pedro. Calixto III enviou, então, um monge franciscano, São João de Capistrano,(4) a pregar uma nova cruzada contra os infiéis.

Septuagenário como o Papa, homem de baixa estatura, fraco, exausto, mas movido por um ardor juvenil, o santo contagiava com seu entusiasmo os corações de seus ouvintes, embora — coisa notável — falasse apenas latim e italiano.

Conseguiu reunir por volta de 40 mil camponeses húngaros e alguns voluntários de outras nações, partindo com Hunyadi, que conduzia sua tropa de 10 mil cavaleiros.

Com a guarnição de Belgrado e outros reforços, o exército cristão chegou a congregar 75 mil homens, a maioria fracamente armada, mas animados de santo zelo pela defesa da Cristandade.

Maomé II estabelece o cerco de Belgrado

Os turcos chegaram a Belgrado semanas antes do esperado. Eram entre 100 e 200 mil homens, trazendo consigo 300 canhões, 22 dos quais de grande envergadura. Uma frota de 200 embarcações balouçava nas águas do Danúbio.

Testemunhas da época narram seu espanto por toda a parafernália presente no acampamento turco, tanto de material bélico quanto para outros fins. Matilhas inteiras de cães foram trazidas para consumir os corpos dos cristãos, que se previam muito numerosos.

Os infiéis pareciam dispostos não apenas a ocupar Belgrado, mas toda a Hungria e outros reinos vizinhos.(5)

Quando o exército católico chegou à cidade, no início de julho de 1456, encontrou-a já sitiada pelos otomanos, e ameaçada pela frota estacionada no Danúbio.

A primeira tarefa de Hunyadi foi quebrar o bloqueio naval, o que ele conseguiu em 14 de julho, afundando três grandes galés otomanas e capturando duas dezenas de navios. Franqueou ele assim a entrada de tropas e de suprimentos na cidade.

São João de Capistrano na batalha de Belgrado (detalhe). Igreja dos Bernardinos, Cracóvia.
São João de Capistrano na batalha de Belgrado (detalhe).
Igreja dos Bernardinos, Cracóvia.
Enquanto isso se dava, a artilharia pesada dos turcos perfurava as muralhas de Belgrado em diversos pontos, enchendo os fossos de escombros.

No dia 21 de julho, Maomé II ordenou um assalto total, que começou no ocaso e continuou por toda a noite.

Os janízaros(6) lideraram o ataque, e a ferocidade de seu avanço conduziu-os para dentro das muralhas. Hunyadi, entretanto, dirigiu a defesa com grande habilidade.

Ordenou aos defensores que jogassem lenha, cobertores saturados de enxofre, pedaços de gordura animal e outros materiais inflamáveis dentro do fosso, e ateassem fogo.

Logo uma parede de chamas separou os janízaros que lutavam dentro das muralhas de seus companheiros que ainda estavam no exterior.

Os que ocupavam o fosso morreram queimados, ou ficaram seriamente feridos; e os janízaros foram massacrados pelas tropas de Hunyadi. Com a calmaria da manhã seguinte, mais reforços cristãos puderam chegar à cidade.

Fato inesperado provoca início da batalha

No dia seguinte, enquanto os turcos enterravam seus mortos, algo de inesperado aconteceu.

Contrariando as ordens de Hunyadi para não deixarem o interior da fortaleza, alguns grupos de cruzados escaparam pelos rombos das muralhas, tomaram posição diante da linha turca e começaram a provocar os soldados inimigos, gritando e atirando flechas sobre eles.

Cavaleiros turcos tentaram, sem sucesso, dispersar os cristãos. Então, mais cruzados se uniram aos que já estavam fora das muralhas.

São João de Capistrano na batalha de Belgrado (detalhe). Igreja dos Bernardinos, Cracóvia.
São João de Capistrano na batalha de Belgrado (detalhe).
Igreja dos Bernardinos, Cracóvia.
O que se iniciara como um incidente isolado tornou-se uma batalha em grande escala.

São João de Capistrano, que de início tentara trazer seus homens de volta ao interior das muralhas, logo se viu cercado por dois mil cruzados.

Então, começou a liderá-los em direção às linhas otomanas, gritando: “O Senhor que fez o início cuidará do desfecho!”.

Os turcos logo se viram diante de uma furiosa avalanche humana. Apanhados de surpresa nessa estranha mudança dos acontecimentos e paralisados por um medo inexplicável, fugiram.

A guarda pessoal do sultão, formada por cinco mil janízaros, tentou conter o pânico e recapturar o acampamento; mas o exército de Hunyadi já tinha se unido à inesperada batalha, e os esforços turcos tornaram-se vãos.

O próprio sultão foi gravemente ferido, ficando inconsciente. Protegidos pela escuridão, os turcos retiraram-se às pressas, carregando seus feridos.

As baixas turcas em Belgrado foram inéditas. Eles perderam 50 mil homens na batalha, e outros 25 mil abatidos pelos sérvios durante a fuga. As perdas entre os defensores de Belgrado totalizaram menos de 10 mil.

Vitória cristã comemorada em toda Cristandade

A derrota do sultão foi saudada como gloriosa vitória pela Cristandade. O Te Deum foi entoado nas igrejas, os sinos tocaram e grandes fogueiras foram acesas em comemoração.

O Papa Calixto III, quando soube do sucesso do comandante húngaro, descreveu Hunyadi como “o mais impressionante homem que o mundo tem visto em 300 anos”.

Depois de mais um triunfo, chegou o dia da partida para a eternidade daquele homem providencial. Contagiado pelo tifo que grassava no acampamento, János Hunyadi entregou sua alma a Deus em 4 de agosto de 1456.

O túmulo do heroico Janos Hunyadi continua rodeado pelo reconhecimento do povo húngaro
O túmulo do heroico Janos Hunyadi continua rodeado pelo reconhecimento do povo húngaro
No leito de morte, como São João de Capistrano lhe apresentasse a morte como recompensa desta vida, Hunyadi respondeu:

“Vivi e lutei para achar meu lugar de descanso, como campeão emérito na tenda de meu Senhor”. O sultão derrotado, sabendo da morte do herói católico, depois de alguns momentos de silêncio exclamou: “Éramos inimigos, mas sua morte é para mim dolorosa; pois nunca o mundo viu um homem como ele!”. Naqueles tempos o valor e a honra eram reconhecidos mesmos nos inimigos, quando neles existentes.

“Defendei, caros amigos, a Cristandade e a Hungria de todos os inimigos. Não vos deixeis levar por intrigas internas. Se gastardes vossas energias em altercações, selareis vosso próprio destino e cavareis a cova de nossa própria nação”.(7) Foi esse o último conselho de Hunyadi a seus compatriotas.

Notas:
1. Vide Catolicismo, abril/2004.
2. WEISS, Juan Bautista. Historia Universal – Vol. VIII. Barcelona: Tipografia La Educación, 1929, p. 31.
3. SETTON, Kenneth Meyer. The Papacy and the Levant, Vol. II. Philadelphia: The American Philosophical Society, 1978. p. 164.
4. Vide Catolicismo, outubro de 2007.
5. SETTON, Kenneth Meyer. The Papacy and the Levant, Vol. II. Philadelphia: The American Philosophical Society, 1978. p. 176.
6. Elite guerreira formada por cristãos pervertidos, muitas vezes raptados ainda jovens do seio de suas famílias.
7. KOVACH, Tom R. Ottoman-Hungarian Wars: Siege of Belgrade in 1456. Military History Magazine, 1996. Disponível em http://www.historynet.com/ottoman-hungarian-wars-siege-of-belgrade-in-1456.htm.



GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS ORAÇÕES CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

János Hunyadi e o cerco de Belgrado - 1

János Hunyadi, comandante dos cruzados libertou Belgrado do assédio turco
János Hunyadi, comandante dos cruzados
libertou Belgrado do assédio turco
Esse extraordinário herói húngaro e São João de Capistrano, derrotando o sultão Maomé II em Belgrado, sustaram avassaladora investida muçulmana na Europa


No ano de 1453, a cidade de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, caiu sob o domínio dos turcos otomanos. Os vencedores submeteram os sobreviventes muitos deles monges e religiosas — a um cruel e bárbaro tratamento.

 A famosa igreja de Santa Sofia tornou-se cenário de uma sangrenta orgia, depois da qual o local sagrado passou a servir de estábulo para os cavalos dos turcos. Ficava claro para a Cristandade que os seguidores de Maomé não descansariam enquanto não estendessem seu domínio sobre a Europa.

Mas a Divina Providência, que permitira tal derrota para castigo da Cristandade decadente, suscitaria, no momento e no lugar certos, os homens certos para obstar os planos dos infiéis.

Vitórias iniciais contra os turcos

János (João, em português) nasceu provavelmente no ano 1387. Seu pai, Serba Vojk, leal servidor do rei húngaro Sigismundo, recebera como prêmio o castelo de Hunyadvár, na Transilvânia, tendo desde então mudado seu nome, Serba Vojk, para Hunyadi.

Desde a infância, János Hunyadi, a quem trataremos apenas pelo sobrenome, mostrou-se sempre muito piedoso. Seus companheiros de Corte o viam frequentemente levantar-se durante a noite e passar horas de joelhos na capela real, em oração.

Ele cresceu como um soldado. Inicialmente lutando como mercenário na Itália, dedicou-se depois a enfrentar o Império Otomano, o maior inimigo de seu país e da Santa Igreja, na época.

Até 1441, suas campanhas militares foram apenas um prelúdio de sua longa guerra contra os otomanos, o que lhe valeu a fama de “Flagelo dos Turcos”. Em uma dessas campanhas, tentou unir forças com o grande herói albanês Skanderbeg,(1) só não o fazendo por intrigas de um príncipe sérvio.(2)

Em 1437, o rei Sigismundo nomeou-o defensor do sul da Hungria, desde a Transilvânia do Leste até o mar Adriático. O rei seguinte, Ladislau V, tornou-o capitão de Nandorfehervár (atual Belgrado, capital da Sérvia) e voivode (príncipe) da Transilvânia.

Avanço maometano nos Bálcãs

Batalla de Belgrado (Nandorfehervar)
Batalla de Belgrado (Nandorfehervar)
Nos anos que precederam essa nomeação de Hunyadi efetuou-se um gradual avanço turco sobre os Bálcãs, em direção à Hungria. Vilas inteiras eram destruídas, milhares de pessoas mortas, e muitas outras, incluindo mulheres e crianças, capturadas como escravas.

Nomeado comandante, Hunyadi decidiu que já era tempo de pôr um fim às invasões turcas.

Guerreiro incansável, aparecia de improviso nas regiões ocupadas, surpreendia o inimigo com táticas inusitadas, infundia temor mesmo nos grandes exércitos, acompanhado por tropas seletas mas reduzidas.

Vitoriosa tática dos “vagões blindados”

Certa feita, deparou-se com a quase totalidade dos contingentes turcos da Europa, sob o comando do terrível Sehabeddin, súdito do mesmo Maomé II que depois conquistaria Constantinopla. A ordem deste era conquistar a Moldávia, a Valáquia e a Transilvânia.

Hunyadi posicionou suas tropas em formação retangular, tendo os flancos e a retaguarda bem protegidos por vagõesblindados. Inovação utilizada por um líder da Boêmia anos antes, os vagões eram preenchidos por soldados, e ligados por correntes para evitar a penetração pelo inimigo.

No auge da refrega, os vagões foram subitamente empurrados sobre o adversário, causando, com seu movimento, grande pânico entre as tropas turcas. Os soldados desembarcaram e cumpriram sua missão. Mais uma grande vitória obtida pelo herói húngaro.

A notícia das conquistas de Hunyadi espalhou-se por toda a Europa, trazendo esperança para os reinos que ainda sofriam sob a dominação otomana. No ano seguinte, o general húngaro venceu mais seis batalhas, livrando a Sérvia da presença turca.

Janos Hunyadi, monumento em Pecs, Hungria
Janos Hunyadi, monumento em Pecs, Hungria
Apesar dos aplausos das outras potências europeias, nenhuma delas ofereceu ajuda significativa. Apenas a Santa Sé levou a sério essa tão importante causa. Calixto III, ancião espanhol recém-eleito para o sólio pontifício, soube perceber a gravidade do momento.

Considerou como obrigação enfrentar os turcos, fazendo o propósito de expulsá-los de Constantinopla, e até, se possível fosse, da própria Terra Santa.

“O mundo tinha mudado desde os velhos tempos de Urbano II, mas no peito do Papa ancião batia o coração de um verdadeiro cruzado. Em carta ao novo rei húngaro Ladislau, o Papa declarou sua resolução, mesmo ao preço de seu próprio sangue se necessário, de que ‘estes inimigos insidiosos do nome Cristão sejam inteiramente expulsos não só da cidade de Constantinopla, recentemente ocupada, mas também de todos os confins da Europa’”.(3)

Após tomar Constantinopla, o jovem Maomé II decidiu, em 1455, que era tempo de esmagar definitivamente a Hungria. E o ponto nevrálgico era a fortaleza de Nandorfehervár. “Em dois meses, estarei jantando tranquilamente na capital húngara”, teria dito o sultão.

continua no próximo post: São João de Capistrano: pregador de Cruzada, János Hunyadi e o cerco de Belgrado - 2



GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS ORAÇÕES CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

terça-feira, 4 de outubro de 2022

O milagre de Tolbiac e a conversão da França

A battalha de Tolbiac Vitral da catedral de Laon
A battalha de Tolbiac Vitral da catedral de Laon
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







No ano 496, Clóvis I, rei dos Francos, devia enfrentar uma confederação de tribos dos alamanos dirigidos não se sabe ao certo por quem.

Antes mesmo da guerra, Clóvis foi visitar o túmulo de São Martinho de Tours, onde fez a promessa de que se faria católico se ganhasse a guerra.

O local da batalha é conhecido como “Tolbiac”, ou “Tulpiacum”, nome que se refere mais provavelmente a Zülpich, na Renânia do Norte – Vestefália, Alemanha.

Pouco se sabe do desenvolvimento da batalha, salvo que Clóvis viu seus guerreiros caírem um depois do outro e a derrota cada vez mais próxima.

No momento da degringolada geral, em prantos e com o remorso no coração, o rei bradou ao Deus de sua mulher, Santa Clotilde.

São Gregório, Bispo de Tours (538 – 594) e o maior historiador daquela época, registrou da seguinte forma a oração de Clóvis no capítulo II, 30-31, de sua História dos Francos:

“Ó Jesus Cristo, Vós que Clotilde me disse serdes filho do Deus Vivo, Vós que enviais vosso auxílio àqueles que estão em perigo, e concedeis a vitória aos que confiam em Vós, eu procuro a glorificação de vossa devoção com vossa assistência:

“Se Vós me concederdes a vitória sobre estes inimigos, e se eu experimentar os milagres que o povo que cultua vosso nome diz ter acontecido, Eu crerei em Vós, e eu serei batizado em vosso nome.

Clóvis no desespero invoca o Deus de Santa Clotilde Paul-Joseph Blanc (1846-1904), Panteon, Paris
Clóvis no desespero invoca o Deus de Santa Clotilde
Paul-Joseph Blanc (1846-1904), Panteon, Paris
“Mais ainda, eu invoquei meus deuses, e estou vendo que eles falharam na hora de me ajudar, fato que me faz acreditar que eles não têm poderes, que eles não vêm em ajuda daqueles que os servem.

É a Vós que brado novamente, eu quero acreditar em Vós, mas só se eu for salvo de meus adversários.”

Tendo dito estas palavras, os alamanos começaram a fugir. E quando viram seu chefe cair morto, submeteram-se a Clóvis, dizendo:

“Não permitais que o povo siga morrendo, nos vos rogamos; nós agora somos vossos”. Clóvis mandou parar o combate e exortou os derrotados a se retirarem em paz e disse à rainha que ele teve o mérito de obter a vitória invocando o nome de Cristo. Isto aconteceu no ano décimo quinto de seu reinado”.

São Gregório de Tours foi o primeiro a descrever esta batalha, fazendo um paralelismo direto com a conversão do imperador romano Constantino, o Grande, antes da batalha de Ponte Mílvia (312).

O santo historiador acrescenta que a rainha consultou São Remígio, Bispo de Reims, para ir ver Clóvis secretamente e apressá-lo a entrar no reino da salvação.

E o bispo foi secretamente e começou a instá-lo a acreditar no Deus verdadeiro, criador do Céu e da Terra, e a deixar de adorar ídolos incapazes de se ajudarem a eles próprios, e tanto menos aos outros.

O batismo de Clóvis, por São Remígio, Reims, França
Porém, o rei respondeu: “Eu vos ouço comprazido, santíssimo padre; mas fica uma coisa: o povo que me segue não consegue abandonar seus deuses; mas eu irei até eles e falarei, transmitindo vossas palavras”.

Clóvis reuniu-se com seus seguidores, porém antes que ele conseguisse falar, o poder de Deus se antecipou e todo o povo bradava conjuntamente:

“Ó piedoso rei, nós rejeitamos nossos deuses mortais, e nós estamos prontos a seguir o Deus imortal que prega Remígio”.

Isto foi relatado ao bispo, que ficou grandemente regozijado e mandou preparar a pia batismal.

As praças ficaram recobertas com toldos feitos de tapeçarias, as igrejas foram adornadas com cortinas brancas, o batistério foi ordenadamente arranjado, o aroma do incenso se espraiava, as velas odoríferas ardiam brilhantemente, e todo o prédio do batistério ficou cheio de uma fragrância divina.

E o Senhor concedeu uma tal graça aos que ali estavam, que eles começaram a achar que se encontravam em meio aos perfumes do paraíso.

Santa Clotilde
Santa Clotilde
E o rei foi o primeiro a pedir para ser batizado pelo bispo. Foi assim que um novo Constantino se aproximou da pia batismal”.

Clóvis – ou Chlodovechus em latim – foi o primeiro rei dos Francos, pois conseguiu a obediência de todas as tribos francas.

Fundador da dinastia merovíngia, que reinou durante duas décadas, ele inaugurou a história da França na pia batismal.

Quando jovem, Clóvis chegou a ser comandante da província militar romana Belgica Secunda.

Porém, ele se voltou contra os chefes romanos, e na batalha de Soissons (486) pôs fim ao domínio do Império Romano fora da Itália.

Posteriormente derrotou os turíngios, aliou-se aos ostrogodos, e após vencer os alamanos, instalou sua capital em Paris, onde fundou a abadia dedicada aos Santos Pedro e Paulo, no Quartier Latin.

Guerreou depois contra o reino dos borguinhões, derrotou os visigodos, expulsando-os para sempre da Gália, e conquistou a Aquitânia.

Ele codificou a lei sálica franca incluindo grandes partes do Direito Romano, pelo que o código ficou conhecido como “Código Romano”.

Clóvis e sua mulher Santa Clotilde foram enterrados na Abadia de Santa Genoveva, em Paris.

Posteriormente os restos dos dois foram transferidos para a Abadia de Saint-Denis, túmulo dos reis da França, onde hoje repousam.




GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS ORAÇÕES CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS