Uma manifestação da força contagiante do exemplo para mudar os costumes e a vida é o caso de um certo Balduino, conde de Flandres, por volta do ano de 1200.
Esse Balduíno tinha sido muito religioso desde menino. Mas quando chegou a época da mocidade, teve extravios.
E, além do mais, entrou em luta contra a Igreja e parece que se apoderou de alguma coisa que era da Igreja.
Mas apesar disso, ele remediou os desvios de sua vida.
Com a reflexão, ele caiu em si a respeito da gravidade de seus pecados. Tornou-se, então, universalmente estimado em todos os seus feudos e era verdadeiramente a glória da Flandres.
Caindo em si, entendeu que devia fazer uma grande mortificação.
E essa mortificação consistiria em ele se fazer cruzado, declarando que a razão era a expiação de seus pecados de juventude. Que ele iria tomar a cruz.
O que não era nada agradável. Era ir montado a cavalo, ou por vias marítimas bastante inseguras, para combater e, muitas vezes, morrer na Terra Santa.
Então, a condessa de Flandres se empolgou e declarou que iria acompanhar seu marido e ir também à Terra.
Dois irmãos de Balduino se impressionaram e resolveram acompanhá-los. Um primo resolveu também.
Um conhecido deles, fidalgo de uma grande família francesa, famosa por sua eloquência, resolveu acompanhá-lo também; um filho deste fidalgo, que era Jacques d'Ouverne, célebre por seu heroísmo numa Cruzada anterior, resolveu tomar a cruz também.
Então, a população toda também se levantou.
O bonito ato de penitência de um homem arrebatou e determinou a modificação da conduta de uma porção de pessoas. E uma avalanche de gente foi para tomar a cruz.
Por duas vezes, os turcos penetraram na Real de D. João d’Áustria até o mastro principal. Sangrentas lutas corpo a corpo tiveram lugar ali.
E por duas vezes os valorosos soldados espanhóis rechaçaram as ondas de guerreiros turcos. O comandante católico levou um tiro no pé. Veniero, com seus 70 anos, combatia de espada na mão.
As primeiras forças de auxílio de Álvaro Bazan foram ao socorro da ala norte, salvando a situação. Bazan também percebeu o vão entre o centro e a ala de Doria, e enviou para lá mais algumas reservas para controlar a situação que já se tornava desesperadora.
As horas passavam durante o violento confronto. O tórrido sol da tarde fazia refletir sua luz nas águas do mar, agora tingidas de vermelho. As últimas naus de reserva foram enviadas ao centro, onde a batalha fervia.
As seis grandes galeaças de Duodo já haviam afundado, incendiado ou botado a pique incontáveis navios turcos.
Mas no centro, a luta era dramática para os católicos. As tropas de reserva chegaram apenas para salvar o generalíssimo ferido e já encurralado em sua própria nau.
D. João decretou que todos os prisioneiros por crimes pequenos que remavam nas galés receberiam a liberdade se combatessem valorosamente.
Os duzentos novos soldados de auxílio enviados por Bazan começavam agora a empurrar os turcos de volta para a Sultana.
A luta neste ponto foi terrível. Os valentes espanhóis invadiram por três vezes o navio de Ali Pachá e por três vezes foram expulsos. Os conveses das duas naus-capitânias estavam cobertos de cadáveres. Sentia-se uma inexplicável hesitação nas hostes turcas.
Então, Ali Pachá, quando repelia o último ataque católico, foi atingido pelo tiro preciso de um arcabuzeiro espanhol.
Em meio à confusão, seu corpo foi arrastado até D. João d’Áustria. Um espanhol levantou a cabeça do general turco na ponta de uma lança e um forte brado de vitória repercutiu nas fileiras católicas.
Os turcos entraram em pânico e começaram a bater em retirada, usando o que restara de sua esquadra.
Muitos deles ainda foram capturados ou mortos. Um estandarte com o Divino Crucificado foi hasteado no mastro da Sultana. Uluch Ali ainda conseguiu fugir com algumas embarcações.
Lepanto, Andrea Vicentino (1542 -1617) Palazzo Ducale, Venezia.
Vitória contra a ameaça maometana
Maria Auxílio dos Cristãos.
Santuário Maria Ausiliatrice, Turim.
A vitória da Santa Liga foi grandiosa: 130 embarcações turcas foram presas, outras 90 afundadas e 25 mil muçulmanos pereceram. Os cristãos perderam 15 galés e 8 mil homens.
Na mesma hora do desfecho da batalha, em Roma, o Papa São Pio V tratava de assuntos internos do Vaticano. Ele voltou-se para uma janela e teve uma visão surpreendente:
“Não é hora de negócios, mas sim de rezar e agradecer a Deus. Nossa esquadra acaba de obter uma grande vitória”, disse ao secretário.
As notícias oficiais só chegaram duas semanas mais tarde...
O Santo Padre foi em procissão até São Pedro cantando o Te Deum. Depois ordenou a comemoração da vitória, designando o dia 7 de outubro em honra de Nossa Senhora do Rosário.
Mais tarde mandou acrescentar aos títulos da Santíssima Virgem na Ladainha Lauretana a invocação Auxílio dos Cristãos.
Foi a Mãe de Deus quem vencera em Lepanto, pois, conforme narrativas feitas pelos próprios muçulmanos, Ela apareceu durante a batalha, aterrorizando os combatentes seguidores de Maomé.
A espetacular vitória da Santa Liga foi um golpe do qual o império turco-islâmico jamais se recuperaria.
Alguns historiadores afirmam, porém, que Lepanto não teve grande efeito, pois enquanto a Santa Liga se desfazia, em menos de um ano a frota turca estava recomposta com mais de 200 navios.
Contudo, tal afirmação é facilmente desmentida pelos fatos. Em 1572, no litoral da África, com apenas 22 galés, D. João d’Áustria enfrentou Ulich Ali, o mesmo que havia fugido em Lepanto e que comandava agora 250 embarcações.
Os turcos não tiveram coragem de sair de seu refúgio para enfrentar o jovem príncipe. As tempestades acabaram por separar as duas frotas sem combates.
No mar, a força moral dos turcos contra a Cristandade ficou arrasada para sempre.
Ainda demoraria um pouco para que o mesmo acontecesse em terra.
FIM
(Autor: Paulo Henrique Américo de Araújo, CATOLICISMO, abril 2015)
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Referências
1. WEISS, Juan Baptista. História Universal. Barcelona: Tipografia La Educación, 1929, vol. IX, pp. 535 a 540.
2. Walsh, William Thomas. Felipe II, 7ª edição, Madri, Espasa-Calpe, 1976, pp. 564 a 579.
Estreito de Lepanto, na entrada do Golfo de Patras, Grécia. A esquadra da Santa Liga Católica, composta por mais de 200 navios de guerra e 90 mil soldados comandados por Dom João d’Áustria, já avistava ao longe a poderosa frota turca com seus quase 300 barcos e 120 mil guerreiros. Era o memorável 7 de outubro de 1571.
A batalha já era iminente, não havia mais volta atrás. O generalíssimo D. João d’Áustria decidira, apesar da desvantagem numérica, enfrentar os muçulmanos turcos.
Andrea Dória, comandante de boa parte das embarcações católicas, propôs uma ideia crucial para o embate que estava para começar: “Retiremos os esporões das pontas das galés. Assim poderemos mirar os canhões num ângulo mais baixo em direção aos turcos”. Proposta aceita prontamente por D. João.
Dória percebeu que, com tantos navios batalhando tão perto uns dos outros, os esporões — grandes peças de metal utilizadas em manobras longas para furar, à força de remos, as laterais dos barcos inimigos — seriam de pouca utilidade naquela situação. Livrar-se deles daria maior liberdade de ação aos canhões.
As bandeiras multicolores davam os sinais para todos os navios se posicionarem. Estendendo-se ao sul, em direção ao alto mar, Andrea Dória chefiava a ala direita católica, com 54 navios.
Ao norte, alongando-se em direção à costa grega, o veneziano Barbarigo dirigia a ala esquerda com 53 barcos. Ao centro, D. João d’Áustria, com a nau capitânia, a Real e 64 embarcações. Atrás, com as forças de reserva, D. Álvaro Bazan.
Alinhamento para o confronto naval
O comandante turco, Ali Pachá, tendo superioridade numérica, planejou envolver e liquidar a frota católica. Ao norte, formando a ala direita turca, Siroco comandava 54 navios.
Ao sul, Uluch Ali procurava estender ao máximo seus 61 navios. O próprio Ali Pachá, com a Sultana e mais 87 galés, avançava ao centro. O comandante turco estava resolvido a atacar ao mesmo tempo os flancos e o centro das linhas católicas.
Pouco antes da batalha, D. João d’Áustria, vestindo uma armadura dourada, subiu num barco ligeiro e com um Crucifixo na mão conclamou os homens de cada navio dizendo:
“Eia, soldados valorosos, chegou a hora que desejastes; aquilo que me tocava, cumpri; humilhai a soberba do inimigo, alcançai glória em tão religiosa peleja, vivendo ou morrendo sereis vencedores, pois ireis para o Céu”.
A linha por onde se estendiam as centenas de barcos cobria quilômetros do mar. Enquanto a frota turca se aproximava com o vento favorável e as embarcações católicas se moviam à força de remos, os soldados cristãos, ajoelhados, rezavam e recebiam a bênção dos frades que ali estavam.
À frente da frota da Santa Liga, um grupo de grandes navios preparava uma surpresa ingrata aos turcos: eram as galeaças de Francisco Duodo.
Este nobre navegador e engenheiro veneziano havia projetado um novo tipo de galé. Ela possuía canhões em todos os lados do navio, diferentemente das galés convencionais que tinham canhões apenas na proa e na popa.
Essas poderosas máquinas de guerra estavam agora na vanguarda da Liga. Apenas seis delas reunidas somavam 264 canhões.
A desigualdade de forças e a discrepância religiosa impunham uma única opção: tudo ou nada
Enfrentamento entre a Cruz e o Crescente
Entretanto, o vento providencialmente mudou, favorecendo a esquadra católica. As galeaças de Duodo abriram fogo e penetraram em todas as alas das linhas turcas, causando grandes danos, mas não detiveram o avanço inimigo.
Ao norte, Barbarigo tentou evitar ser flanqueado por Siroco, mas como não conhecia as águas rasas do litoral, logo os turcos se aproveitaram da brecha e envolveram os navios cristãos, que foram sendo aniquilados. O próprio Barbarigo foi ferido e teve que ceder o comando a outro.
Ao sul, Doria projetou ao máximo sua linha de defesa, para não ser envolvido pelas galés de Uluch Ali. Contudo, a manobra fez surgir uma perigosa falha entre o centro e a direita da esquadra católica.
Alguns suspeitaram de uma traição! Mas, ao contrário, o valente chefe espanhol batia-se contra os turcos de todas as formas. Em dez dos navios espanhóis, todos os homens foram mortos em apenas uma hora de combate. A ala direita católica ruía!
No centro da batalha, a nau-capitânia de D. João, a Real, que levava o estandarte de Nossa Senhora de Guadalupe, foi facilmente identificada por Ali Pachá.
Os canhões de ambos os lados trovejavam, num barulho ensurdecedor. Logo as naus dos dois comandantes estavam frente a frente.
Os barcos de Colona, comandante das forças dos Estados Pontifícios e do velho Veniero, também se juntaram à nau-capitânia, formando uma plataforma de combate com dezenas de metros.
Foi neste momento que o conselho de Doria se fez valer. Com os canhões apontando mais para baixo, os católicos causaram grande destruição nas embarcações e tropas turcas.
Mas, por causa do contingente maior, os infiéis pressionavam violentamente os católicos de todos os lados.
Iniciam-se as abordagens. Tiros de arcabuz, lutas de espadas e lanças, gritos de dor e brados de guerra se misturavam ao choque das explosões e do fogo.
(Autor: Paulo Henrique Américo de Araújo, CATOLICISMO, abril 2015)
“Toma, ditoso príncipe, a insígnia do verdadeiro Deus humanado”
As tratativas para a Santa Liga foram concluídas em 7 de março de 1571, festa de São Domingos. O Papa, exultante de alegria, entregou o empreendimento nas mãos de Nossa Senhora — as mesmas mãos que séculos atrás haviam dado o Rosário ao santo fundador da Ordem dos Pregadores.
O Santo Padre delegou o comando da pequena, mas prestigiosa frota dos Estados Pontifícios, composta de 12 naus de guerra, ao nobre Marco Antonio Colonna.
O príncipe ajoelhou-se para receber pessoalmente das mãos de São Pio V o estandarte da Liga, no qual estavam estampadas as imagens de Jesus Crucificado, São Pedro, o brasão do Papa e a inscrição “In hoc signo vinces” (“Com este sinal vencerás”).
Foi o lema visto acima de uma Cruz luminosa, no céu, pelo Imperador Constantino, no ano 312, e que o levou à vitória na famosa batalha de Ponte Mílvia, contra o usurpador Maxêncio.
O ponto de encontro de toda frota era a cidade de Messina, na Sicília. Primeiro, chegaram os venezianos com suas 66 naus, comandados pelo veterano Sebastião Veniero, que mantinha o fulgor de soldado, mesmo aos 70 anos. Logo depois, vieram as 60 naus espanholas comandadas por Andrea Doria, experiente navegador do Mediterrâneo.
A cidade de Messina fervia de entusiasmo pela vinda desses novos cruzados. Mas a verdadeira comemoração se deu quando D. João d’Áustria aportou com seus 45 navios.
Ele parecia uma figura angélica: vestido com sua armadura brilhante, cabelos loiros, de porte aristocrático, alto e esguio. O príncipe havia recebido do delegado pontifício, o Cardeal Granvela, o estandarte da Liga. O prelado lhe dissera:
“Toma, ditoso príncipe, a insígnia do verdadeiro Deus humanado. O sinal vivo da santa Fé, da qual tu és defensor nesta jornada. Ele te dará uma vitória gloriosa sobre o ímpio inimigo, e por tua mão será abatido seu orgulho. Amém!”.
Por sugestão do Papa, D. João d’Áustria tomou providências para garantir o sucesso da guerra, atraindo as graças de Deus, o Senhor dos Exércitos.
Todos os combatentes, marinheiros, soldados e nobres, jejuaram durante três dias, além de se confessarem e receberem a Sagrada Comunhão. Mulheres foram proibidas a bordo dos navios para evitar qualquer desregramento. A blasfêmia passou a ser punida com pena de morte.
Em 15 de setembro, a esquadra soltava as velas. O espetáculo da partida é digno de reverência. Centenas de naus se perfilavam com suas bandeiras multicolores.
Na ponta do cais, o Núncio papal, vestido com seus melhores paramentos, abençoava, uma a uma, as embarcações à medida que iam passando.
Nossa Senhora de Lepanto, Espanha
Os tripulantes ajoelhavam-se piedosamente no convés das naus, fazendo o sinal da cruz. O povo, em meio a ovações e aplausos, acompanhava tudo enlevado, seguindo os gestos dos guerreiros.
A insigne esquadra desses verdadeiros cruzados era composta de 208 galés e outra centena de pequenos barcos de transporte e apoio. Mais de 80 mil soldados, nobres e plebeus, era o total dos homens a bordo.
As notícias diziam que a frota turca se encontrava na região da Grécia. D. João d’Áustria decidiu ignorar os conselhos de alguns comandantes de tomar uma posição apenas defensiva. Ele optou por seguir a diretriz dada pelo Santo Padre: perseguir os turcos, atacá-los e aniquilá-los.
Já no litoral grego, os católicos ficaram horrorizados ao verem a destruição promovida pelos infiéis. Cidades destroçadas e incontáveis corpos de mártires espalhados pela região.
O horror produzido nos cruzados se transformava em indignação e maior vontade de acabar de vez com tal insolência dos muçulmanos.
Em 6 de outubro de 1571, a esquadra se aproximou da embocadura do estreito de Lepanto. O inimigo não estava distante. Era uma questão de horas até que ele aparecesse. A noite transcorreu tranquila, o mar calmo e o céu límpido ornado com luz do luar.
No raiar da manhã daquele memorável dia 7 de outubro, a esquadra turca surgiu no horizonte, ainda muito afastada para qualquer embate. Saindo do golfo, com vento favorável vindo do leste, enfunavam-se as velas de mais de 280 galés de combate, levando 100 mil turcos!
Os chefes cristãos vieram conferenciar com D. João d’Áustria em sua nau capitânia, La Real. “Não é prudente dar batalha a um inimigo numericamente superior”, disseram eles ao generalíssimo.
Mas o jovem príncipe retrucou com firmeza: “Não é hora de conversar, mas de lutar”.
Todos sentiram tal confiança estampada em seu rosto e em suas palavras, que não hesitaram mais. D. João d’Áustria concluiu: “Aqui venceremos ou morreremos”.
No início da tarde, um vento favorável soprou do oeste, lançando os cristãos em direção do inimigo. Era como se Deus estivesse “ansioso” para vê-los em ação.
À distância, os turcos dispararam um canhão em sinal de ameaça. De sua nau capitânia — onde tremulava uma bandeira com a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, vinda das possessões espanholas na América — D. João d’Áustria aceitou o desafio e ordenou um disparo de revide que afundou um dos barcos turcos.
O cenário estava montado para a maior batalha naval da História. É o que veremos no próximo post.
Fontes bibliográficas:
WEISS, Juan Bautista. Historia Universal, Barcelona: Tipografia La Educación, 1929, vol. IX, pp. 535 a 540.
Walsh, William Thomas. Felipe II, 7ª edição, Madri, Espasa-Calpe, 1976, pp. 565 a 579.
Lataste, J. (1911). Pope St. Pius V. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company. http://www.newadvent.org/cathen/12130a.htm
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs
No ano de 1566 subia ao trono pontifício o Cardeal Antonio Ghislieri.
O novo Papa, de família nobre, entrara ainda jovem na Ordem dominicana, onde aprendeu a prática da virtude e da austeridade que deveria transmitir no governo da Igreja.
Ele assumia aos 62 anos o nome que passaria a ser conhecido como um dos maiores Papas de todos os tempos: São Pio V.
São Pio V — grande comandante das forças católicas
Mas o revide de Deus já estava pronto para entrar em cena. São Pio V assumiu com galhardia o supremo comando da Igreja e, à maneira de um bom general, trouxe a vitória da Cruz sobre todos seus inimigos.
Ele auxiliou os católicos perseguidos pelos príncipes alemães protestantes. Incentivou a Liga Católica contra os huguenotes na França. Apoiou a Espanha contra as revoltas protestantes nos Países Baixos. Excomungou a herética rainha Elizabete I da Inglaterra.
Internamente na Igreja, combateu com vigor o relaxamento moral do clero e incrementou a observância da disciplina eclesiástica do Concílio de Trento. Seu próprio exemplo pessoal foi poderoso antídoto contra os escândalos de certos clérigos.
Mas o foco deste artigo é a enérgica atitude de São Pio V diante do perigo muçulmano.
Desde o tempo das Cruzadas, os Romanos Pontífices recorriam à legítima força das armas quando os outros meios haviam se mostrado ineficazes.
A legitimidade da guerra, em certas circunstâncias, é ponto pacífico na doutrina católica. Em face do inimigo muçulmano não havia possibilidade de diálogo, diplomacia, nem concessões.
A única solução possível mostrou ser a força. E esse foi o recurso utilizado por São Pio V, com a autoridade conferida aos Papas pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo.
O oponente que o santo Pontífice tinha diante de si era terrível: a frota turca, equipada com centenas de navios de guerra e milhares de guerreiros bem treinados, uma força inconteste nas águas do Mediterrâneo.
Dom João d'Áustria, Pantoja de la Cruz (1553 – 1608),
Museo del Prado, Madri.
Para enfrentá-los, só uma força à altura. Todavia, isoladamente nenhuma nação católica possuía tal poder. Era preciso estabelecer um acordo entre príncipes cristãos. Surgia na mente do Papa a ideia da Santa Liga.
As negociações entre Espanha, Veneza e outras cidades italianas se iniciaram, tendo como árbitro o Romano Pontífice. Muitos interesses estavam em jogo, o que retardava a concórdia, fazendo sofrer imensamente o Papa.
D. João d’Áustria — guerreiro enviado pela Providência
Em 1570, os turcos atacaram Chipre. A partir de então, o Pontífice não descansou até resolver todos os meandros diplomáticos para concluir o pacto das forças católicas.
Os Estados Pontifícios se somariam a essas forças com seus próprios navios e soldados.
O comando geral da Santa Liga foi dado a D. João d’Áustria, filho do Imperador alemão Carlos V e meio-irmão de Felipe II, rei da Espanha. A escolha era ideal.
O jovem príncipe, de apenas 24 anos, fogoso e ávido de combates pela boa causa, deveria catalisar todos os esforços para o objetivo central: a destruição da armada turca.
A respeito desse eleito comandante da esquadra católica, São Pio V citou a Escritura: “Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João” (Jo 1,6). Assim, o Papa dava sua chancela de que a escolha de D. João d’Áustria vinha do Céu.
Durante os vaivéns diplomáticos, Chipre sofria com a invasão turca. Nicósia, importante cidade de Chipre, caiu depois de 48 dias de cerco.
Famagusta, capital da ilha, resistiu durante meses, mas afinal, vendo que não havia possibilidade de vitória, e diante das notícias do atraso na formação da Santa Liga, o prefeito, Antonio Bragadino, combinou a rendição da praça com os turcos.
Estes concordaram em deixar os cristãos partirem em liberdade. Mas, diante das portas abertas da cidade, os muçulmanos traíram a palavra dada, atacaram e prenderam Bragadino.
Este foi esfolado vivo, enquanto toda a população era assassinada, inclusive mulheres e crianças. As atrocidades cometidas contra os católicos foram horríveis e indescritíveis.
(Autor: Paulo Henrique Américo de Araújo, CATOLICISMO, janeiro 2015)