quarta-feira, 7 de julho de 2010

A morte de Gonçalo Mendes da Maia, o «Lidador» ‒ I


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Gonçalo Mendes da Maia (Maia, 1079 — Alentejo, 1170]), também conhecido como “O Lidador”, foi assim chamado pela sua vontade férrea e suas inúmeras e épicas conquistas no campo de batalha contra os sarracenos.

Ele foi um cavaleiro português do tempo do rei Dom Afonso Henriques. A tradição relata importantes realizações suas nos acontecimentos que precederam a fundação de Portugal.

Ele possuía uma marca como “fronteiro” na cidade fronteiriça com os maometanos de Beja.

Segundo a tradição, no dia em que comemorava 95 anos (91 segundo outros), Gonçalo Mendes estava na frente da decisiva batalha de Ourique contra os muçulmanos, que estava a correr mal para o lado português.

De repente, ganhou renovado vigor e, juntando um grupo de combatentes, atacou o inimigo.

Este, ao ver um soldado envelhecido atacar com a força de um jovem, julgaram-se perante um ato mágico, o que lhes diminuiu o moral.

Assim, um dos maiores líderes muçulmanos decidiu enfrentar Gonçalo Mendes, na esperança de reconquistar o moral das suas tropas.

Apesar de gravemente ferido, Gonçalo Mendes conseguiu derrotar o seu adversário, com efeitos demolidores, pois o exército muçulmano, sem líder, desorganizou-se, pelo que as tropas portuguesas conseguiram ganhar a batalha. Finda esta, Gonçalo Mendes terá sucumbido aos ferimentos.

Gonçalo Mendes da Maia é considerado um herói das cidades de Maia ‒ terra natal da família dos Mendes da Maia ‒ e de Beja. 

O escritor português Alexandre Herculano recriou a morte do herói em páginas de uma grandeza épica incomparável.




A Morte do Lidador 

de Alexandre Herculano



CAPÍTULO I


— Pajens! Ou arreiem o meu ginete murzelo; e vós dai-me o meu lorigão de malha de ferro e a minha boa toledana.

Senhores cavaleiros, hoje contam-se noventa e cinco anos que recebi o batismo, oitenta que visto armas, setenta que sou cavaleiro, e quero celebrar tal dia fazendo entrada por terras da frontaria dos mouros.

Isto dizia na sala de armas do castelo de Beja Gonçalo Mendes da Maia, a quem, pelas muitas batalhas que pelejara e por seu valor indomável, chamavam Lidador.

Afonso Henriques, depois do infeliz sucesso de Badajoz, e feitas pazes com el-rei Leão, o nomeara fronteiro da cidade de Beja, de pouco tempo conquistada aos mouros.

Os quatro Viegas, filhos do bom velho Egas Moniz, estavam com ele, e outro muitos cavaleiros afamados, entre os quais D. Ligel de Flandres e Mem Moniz — que a festa de vossos anos, Senhor Gonçalo Mendes, será mais de mancebo cavaleiro que de capitão encanecido e prudente.

Castelo de Beja, torre de menagem
Deu-vos el-rei esta frontaria de Beja para bem a haverdes de guardar, e não sei se arriscado é sair hoje à campanha, que dizem os escutas, chegados ao romper d'alva, que o famoso Almoleimar correr por estes arredores com dez vezes mais lanças do que todas as que estão encostadas nos lanceiros desta sala de armas.

— Voto a Cristo — atalhou o Lidador — que não cria em que o senhor rei me houvesse posto nesta torre de Beja para estar assentado à lareira da chaminé, como velha dona, a espreitar de quando em quando por uma seteira se cavaleiros mouros vinham correr até a barbacã, para lhes cerrar as portas e ladrar-lhes do cimo da torre da menagem, como usam os vilãos. Quem achar que são duros de mais os arneses dos infiéis pode ficar-se aqui.

— Bem dito! Bem dito! — exclamarem, dando grandes risadas, os cavaleiros mancebos.

— Por minha boa espada! — gritou Men Moniz, atirando o guante ferrado às lájeas do pavimento — que mente pela gorja quem disser que eu ficarei aqui, havendo dentro de dez léguas em redor lide com mouros. Senhor Gonçalo Mendes, podeis montar em vosso ginete, e veremos qual das nossas lanças bate primeiro em adarga mourisca.

— A cavalo! A cavalo! — gritou outra vez a chusma, com grande alarido.

Dali a pouco, ouvia-se o retumbar dos sapatos de ferro de muitos cavaleiros descendo os degraus de mármore da torre de Beja e, passados alguns instantes, soava só o tropear dos cavalos, atravessando a ponte levadiça das fortificações exteriores que davam para a banda da campanha por onde costumava aparecer a mourisma.


(Fonte: Universidade de Amazonia . NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, Av. Alcindo Cacela, 287 – Umarizal, CEP: 66060-902, Belém – Pará, www.nead.unama.br, e-mail: nead@unama.br)



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5 comentários:

  1. Só um pequeno reparo: Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, viveu entre 1070 e 1179. Nesta conformidade, não terá falecido com 95 anos, como aqui se afirma, mas sim com 91 anos, elementar, caro Luís. De resto, gostei desta breve evocação do Lidador e também das excelentes fotografias e gravura.

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    1. Caro Vitor:
      Concordo!
      Mas não ia ser eu quem poria um número (95) que é o mencionado pelo grande Alexandre Herculano.
      Daquelas épocas remotas com frequência não recebemos os números com precisão, e há disparidades insaráveis sobre datas, número de participantes, etc.
      Acrescentei entre parêntese uma ressalva, mas como conciliação da diversidade das fontes.
      Atenciosamente

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  2. Este é um excelente esclarecimento para apuramento da verdade em muitos casos, de que a história é pródiga. Tenho questionado pessoas da Maia, mas, embora toda a gente reconheça o Lidador como grande guerreiro. Mas, ninguém sabe onde está enterrado

    Luís Costa Ribeiro

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  3. Para os interessados na época da constituição do Condado Portucalense,
    fiquem a saber que estou a escrever um livro a quem vou chamar:

    "D. Afonso Henriques - O outro lado da história".

    Luís Costa Ribeiro
    Autor

    Escrever sobre o que terá sido a sua vida, aleijado ou não aleijado, numa pesquisa intensíssima, descobri onde estão mortais do menino Afonso Henriques, quando tinha 12/13 anos

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  4. Gonçalo Mendes da Maia - O Lidador

    — Pajens! Ou arreiem o meu ginete murzelo; e vós dai-me o meu lorigão de malha de ferro e a minha boa toledana.

    Senhores cavaleiros, hoje contam-se noventa e cinco anos que recebi o batismo, oitenta que visto armas, setenta que sou cavaleiro, e quero celebrar tal dia fazendo entrada por terras da frontaria dos mouros.

    Isto dizia na sala de armas do castelo de Beja Gonçalo Mendes da Maia, a quem, pelas muitas batalhas que pelejara e por seu valor indomável, chamavam Lidador.

    Os quatro filhos do bom velho Egas Moniz, estavam com ele, e outro muitos cavaleiros afamados, entre os quais D. Ligel de Flandres e Mem Moniz — que a festa de vossos anos, Senhor Gonçalo Mendes, será mais de mancebo cavaleiro que de capitão encanecido e prudente.


    Castelo de Beja, torre de menagem
    Deu-vos el-rei esta frontaria de Beja para bem a haverdes de guardar, e não sei se arriscado é sair hoje à campanha, que dizem os escutas, chegados ao romper d'alva, que o famoso Almoleimar correr por estes arredores com dez vezes mais lanças do que todas as que estão encostadas nos lanceiros desta sala de armas.

    — Voto a Cristo — atalhou o Lidador — que não cria em que o senhor rei me houvesse posto nesta torre de Beja para estar assentado à lareira da chaminé, como velha dona, a espreitar de quando em quando por uma seteira se cavaleiros mouros vinham correr até a barbacã, para lhes cerrar as portas e ladrar-lhes do cimo da torre da menagem, como usam os vilãos. Quem achar que são duros de mais os arneses dos infiéis pode ficar-se aqui.

    — Bem dito! Bem dito! — exclamarem, dando grandes risadas, os cavaleiros mancebos.

    — Por minha boa espada! — gritou Men Moniz, atirando o guante ferrado às lájeas do pavimento — que mente pela gorja quem disser que eu ficarei aqui, havendo dentro de dez léguas em redor lide com mouros. Senhor Gonçalo Mendes, podeis montar em vosso ginete, e veremos qual das nossas lanças bate primeiro em adarga mourisca.

    — A cavalo! A cavalo! — gritou outra vez a chusma, com grande alarido.

    Dali a pouco, ouvia-se o retumbar dos sapatos de ferro de muitos cavaleiros descendo os degraus de mármore da torre de Beja e, passados alguns instantes, soava só o tropear dos cavalos, atravessando a ponte levadiça das fortificações exteriores que davam para a banda da campanha por onde costumava aparecer a mourisma.

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